O que, realmente, querem os outros quando nos pedem que o sejamos?
Blaise Pascal afirmava a existência de dois excessos: “excluir a razão e admitir apenas a razão”. Já Frederic Romain-Roland enfatizava: “A razão é um sol impiedoso, ilumina, mas cega”. O grande problema do homem em seu existir pleno talvez tenha sido sempre, e até hoje, situar o equilíbrio da razão e da emoção em confronto com o seu desejo, com os apelos interiores que não aceitam as imposições racionais.
O ápice desse confronto remonta o iluminismo europeu do século 18, abandonado em nome de conceitos cientifistas que encantaram o século 19, e perdido nos princípios opressores e rígidos do século passado, em que a disciplina passou a imperar em nome do compromisso e do dever.
A palavra que passou a denominar um comportamento equilibrado foi: “razoável”, que define o moderado, o que se situa conforme a razão, o satisfatório, o que é feito por um conceito dirigente. Passamos então a viver o razoável e o grito, a premissa, a proposta “Por favor, seja uma pessoa razoável!” tornou-se o mediador de atitudes e posturas que poderiam ser desafiantes. Montesquieu dizia que “nada devemos fazer que não seja razoável; mas também nada de fazermos apenas coisas que o são”. E Diderot, “Se a razão é uma dádiva divina, o arrojo, a audácia, a ousadia e a discordância também merecem atenção. Sendo assim, ganhamos dos céus dois presentes incompatíveis e contraditórios”.
Citações todas muito bonitas, mas vocês devem estar pensando: mas e daí, como viver no dia-a-dia essa contradição? É justamente onde entra o questionamento que motivou este texto. Até que ponto podemos ser razoáveis? O que, realmente, querem os outros quando nos pedem que o sejamos? Hoje já se sabe que o cantado e decantado estresse nada mais é do que o “peso do mundo” sobre o que somos realmente e que não podemos mostrar ou que ficou escondido em nome de ofertas racionais ou tentativas de adaptação a formas inadequadas do nosso ser.
O grande problema é que esse razoável fica numa linha tênue entre o moderado e o medíocre, e aceitar cotidianamente a proposta alheia pode nos jogar de vez num mediano incolor e despersonalizado. Além disso, quando nos cobram o razoável, não nos pedem moderação em nossos apelos, mas concordância total com ânsias e atitudes que não são nossas.
Dá para perceber que na maioria das vezes as solicitações de razoabilidade não passam de imposições radicais, egoístas. Tudo bem, que sem ele não há adaptação. Mas é preciso viver também essa abençoada obstinação de querer que algumas coisas se adaptem ao nosso desejo para não virarmos robôs. Ou seja, há momentos da vida em que não podemos ser razoáveis, sob pena de perdermos o grito primal, a ousadia. Mesmo pagando o preço, arcando com as consequências, há horas em que é preciso transgredir para sobreviver bem, razoavelmente bem… Saber até que ponto é a grande questão.
Imagem: Detalhe (Razão) do quadro Fé e Razão Unidas, de Ludwig Seitz (1844–1908), Galleria dei Candelabri, Vaticano