Materiais de cana-de-açúcar geram combustível competitivo no mercado internacional

O representante da União Europeia, Jose Ruiz-Espi, que veio ao Brasil conferir os resultados da injeção de € 1,6 milhão em pesquisas sobre produção de etanol celulósico baseado em palha e bagaço de cana-de-açúcar, parece ter voltado satisfeito ao Velho Continente. Os recursos públicos liberados há dois anos renderam descobertas importantes, segundo os especialistas envolvidos.


amostra de bagaço de cana, que na maior parte das vezes é queimado para geração de energia nas usinas. (Foto: Fabio Riesemberg)

Uma delas é que o combustível celulósico feito a partir da abundante biomassa brasileira pode, sim, competir no mercado internacional e fazer frente ao já conhecido etanol de amido feito nos Estados Unidos ou na Europa. Os recursos da UE foram destinados a um consórcio formado pela companhia dinamarquesa Novozymes, que tem unidade no Brasil; Universidade de Lund (Suécia), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Centro de Tecnologia Canavieira de Piracicaba (CTC). Cada instituição ficou responsável por uma parte do projeto.

O inspetor da UE, espanhol Jose Ruiz-Espi, observa a Steam Gun (Reator de Explosão a Vapor), equipamento financiado em parte por dinheiro público europeu, instalado na UFPR, Curitiba.

O espanhol Jose Ruiz-Espi disse que ainda será necessário gerar relatórios e análises para consolidar os ganhos do investimento. “Mas, pelo que pudemos observar aqui, os resultados estão muito próximos dos objetivos do programa”. Ele deu como finalizada essa etapa das pesquisas, mas informou que há outros dois projetos tendo início no Brasil em breve, com parcerias internacionais. “As organizações  brasileiras de pesquisa são as principais receptoras de recursos financeiros para estudos em energia”, lembrou Ruiz-Espi.

Palha

Uma das descobertas mais importantes é que a palha da cana é tão apropriada para a produção do etanol celulósico quanto o seu  bagaço, informou o coordenador da pesquisa na UFPR, Prof. Luiz Pereira Ramos. “Um dos objetivos da UFPR era descobrir quais partes da planta poderiam ser usadas para fazer o etanol e a tarefa foi totalmente cumprida”, afirmou Ramos. A enzima Cellic CTEC2, desenvolvida pela Novozymes, se mostrou eficiente no processo de hidrólise da biomassa de cana e a palha se revelou uma matéria-prima até melhor que o bagaço na produção de etanol em termos de rendimento, concluiu o estudo.

Jose Ruiz-Espi, no laboratório da Novozymes Latin America em Araucária, Região Metropolitana de Curitiba.

Para Ramos “o tamanho da base de dados acumulada pelo projeto nunca teve similar no país e tem valor inestimável”. As informações obtidas ficarão à disposição da comunidade acadêmica para consulta e vão possibilitar novas investigações na área. O professor também afirma que os investidores internacionais interessados em etanol agora têm mais um motivo para se voltarem ao produto que será feito com a biomassa abundante no Brasil. “Isso pode tornar o etanol celulósico brasileiro competitivo no mercado mundial”, complementou.

O gerente de pesquisa e desenvolvimento da Novozymes Latin America, Benjamin Knudsen, apresenta os bons resultados do Canebiofuel Project a inspetores da União Européia. Representantes da equipe de pesquisadores que recebeu os recursos de € 1,6 milhão estiveram em Curitiba para receber a comissão da UE. Na foto acima, da esq. p/ dir., o revisor técnico designado pela UE, argentino Enrique Riegelhaupt (costas); Benjamin Knudsen, da Novozymes; Hélcio Martins Lamonica, do centro de Tecnologia Canavieira de Piracicaba (CTC); Guido Zacchi, da Universidade de Lund (Suécia) e Oswaldo Godoy Neto, também do CTC. A pesquisa concluiu que o etanol celulósico feito de bagaço e palha de cana teria um preço competitivo no mercado internacional, lado a lado com o etanol de amido feito nos EUA e na Europa. (Foto: Fabio Riesemberg)

Compartilha da mesma opinião Guido Zacchi, gerente de exploração e disseminação do projeto, da Lund University. “Já temos um modelo econômico para calcular os custos de produção do etanol celulósico, inclusive integrando a produção do combustível de primeira geração (obtido pela fermentação do caldo de cana) e de segunda geração (feito dos resíduos da moagem) em uma mesma planta industrial”, afirmou. Os preços do etanol celulósico seriam muito altos em relação ao convencional, entretanto é um valor comparável ao etanol produzido com base no milho norte-americano e até mais baixo que aquele feito de amido na Europa”, ressaltou. Para Zacchi os resultados já são suficientes e permitem pensar no próximo passo, que é a implantação de unidades de produção em escala de demonstração, embora ainda seja preciso alavancar recursos para isso. “No Brasil ainda não temos uma planta de demonstração, que possa produzir em escala pré-comercial, embora o CTBE (Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Petrobras estejam trabalhando nisso. Mas é preciso fazer com que essa ‘demo’ se dê numa escala mínima e possamos materializar o sonho”, comentou Ramos.

“A tecnologia atual que temos para o etanol celulósico não é economicamente competitiva em relação ao de primeira geração, feito pela moagem da cana. Mas é importante lembrar que o preço do etanol de hoje tem uma evolução tecnológica e econômica de trinta anos, desde o Proálcool dos anos setenta”, argumentou o coordenador técnico da pesquisa no CTC, Osvaldo Godoy Neto. “Contudo não creio que teremos de esperar mais trinta anos até que o celulósico possa ser utilizado nos automóveis”, salientou o técnico do organismo paulista responsável pelas pesquisas na etapa da fermentação e pela análise da energia contida no resíduo gerado pela matéria-prima após a hidrólise da biomassa.

O Prof. Luiz Ramos, coordenador da pós-graduação em Química da UFPR (à direita), comandou a parte das pesquisas que couberam à instituição com recursos da UE. Na foto acima, da esq. p/ dir.: as pesquisadoras dinamarquesas da Novozymes, Astrid Boisen e Nina Eriksen (coordenadora geral do projeto); Célia Maria Araujo Galvão, do CTC; o inspetor da UE, Jose Ruiz-Espi, e o revisor técnico da UE, Enrique Riegelhaupt, diante do equipamento financiado parcialmente com recursos da UE: reator de explosão a vapor. (Foto: Fabio Riesemberg)

De acordo com Nina Eriksen coordenadora geral do projeto e pesquisadora da Novozymes, as investigações revelaram a melhor forma de desenhar as plantas industriais para que a ideia seja economicamente exequível. “Concluímos que a integração do processo de produção do etanol de primeira geração com do etanol celulósico na mesma unidade industrial seria o melhor cenário possível”, afirmou Eriksen. “Já fizemos nossas estimativas e cálculos e, agora, o caminho natural é a implantação de plantas piloto, agregando os resultados dos experimentos”, concluiu.