Quem somos nós para querer responder pelo outro?!
Uma das minhas lutas internas em termos de tentativa de evolução é não querer mais ter certezas e mostrá-las ao mundo para demonstrar uma segurança com base apenas no radical de um fato que insisto ser o verdadeiro, negando o volátil, o passageiro, a diferença de opinião.
Quero muito isso até porque vejo as pessoas se tornarem tão desagradáveis ao fazer de sua visão a única cena do mundo, mas é muito difícil, até porque uma das características da vida atual é esse compromisso de julgar que a sociedade impõe e que parece nos valorizar à medida em que passa a impressão de conhecimento.
Em seu maravilhoso livro, “A memória, a história e o esquecimento”, Paul Ricoeur fala muito nisso. Nessa batalha, adquiri horror dos “absolutos impiedosos” aqueles que fecham questão e se acham os donos da verdade, massacrando tudo e todos e tendo um prazer enorme em sentenciar, como se detivessem a certeza do mundo.
Ricoeur fala de como eles, no fundo, são infelizes, porque acabam sendo vítimas de seus próprios julgamentos, tendo que cumprir em si o que condenaram nos outros. Mas o que é mesmo ser o absoluto impiedoso de que fala o pensador francês? É usar de uma atribuição de avaliar para estabelecer uma opinião e fazer disso uma verdade, partindo do fato e chegando às intenções (repararam como esses tiranos determinam até as nossas intenções?), sem manter apenas a suposição de uma cena real que parece demonstrar um fato conhecido. Parece demonstrar e não determina, o que é muito diferente. Vão pelas aparências é claro. Que são frágeis, enganosas, discutíveis.
Somos maus juízes, na maioria das vezes, porque é difícil juntar todos os elementos de que precisamos para concluir com mais qualidade. Daí, o privilégio da isenção. Eis porque os julgadores de ofício são mal humorados, quando não entram em distimia. Não aprenderam a olhar o inevitável sem excessiva rigidez, a dar valor ao flexível e ao mutante. É pena esse desperdício de perder tanto tempo da nossa passagem por aqui julgando os outros ao invés de procurar atingir o próprio entendimento.
Responder por si já é tanto. Principalmente, se considerarmos o contexto da existência, quer em suas mutações, quer nos contraditórios desejos e nos mutantes resultados. Quanta coisa eu quis lá atrás que não mais desejo hoje; por quantas pessoas suspirei, as mesmas que hoje sequer suportaria a presença; quantos atos cometi julgando-os perfeitos e depois observei os erros, os absurdos.
Quem somos nós para querer responder pelo outro?!
Imagem: Julgamento Final, Wassily Kandinsky, 1912