Situar-se no meio é a chave do reino, a qual custamos a encontrar
A esposa que mandou o e-mail está muito irritada pelo que chama de irresponsabilidade e egoísmo masculinos e me pergunta se nunca o homem vai encontrar a medida certa, ter bom senso, saber a hora de iniciar e parar, o que ela não consegue ver no marido, no pai viúvo e nem nos dois filhos jovens que vivem em sua casa. Em sendo a única mulher do lar, diz ter uma experiência e tanto no assunto.
Essa alteração emocional se deve a uma série de circunstâncias ocorridas nesta semana: o marido, que jamais quis fazer qualquer exercício físico, sendo um sedentário de carteirinha, resolveu, depois de um susto, andar no calçadão todas as noites. O que é uma pratica excelente, claro. “Mas precisava ter ido resfriado e com febre numa noite de tempestade, pegando uma broncopneumonia que o está arrasando, sob a alegação pífia de que, ou ele anda todos os dias faça sol ou chuva ou não anda mais?”.
O filho mais velho que só comia hambúrgueres ou besteiras, resolveu fazer dieta. E foi tão drástico que deixou de se alimentar não comendo praticamente nada, entrou em desnutrição e agora está com anemia; já o pai, um senhor de 82 anos, que odiava informática e nem queria olhar para um computador, chamando-o de aparelho do diabo, agora está tão fanático que passa o dia navegando na web e tornou-se um alienado que não conversa mais com ninguém e nem participa da vida familiar.
Enquanto isso, o filho mais novo que dizia detestar animais e que implicava com o inofensivo gatinho doméstico a ponto dela se desfazer dele, sob alegação de alergia, agora, de repente, comprou três cachorros que perturbam de todo o jeito e feitio, já que moram em apartamento, o que está causando inúmeros transtornos.
Seu relato chega a ser engraçado, mesmo com todo o respeito aos dramas vividos por essa amável leitora numa hora de questionamento e conflito.
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“O nem mais nem menos não é uma atitude banal, muito pelo contrário, mas um posicionamento diante da vida que pede um questionamento aprofundado sobre o que queremos e o que somos”
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Na verdade, trata-se da velha e batida questão de se encontrar o equilíbrio naquilo que se faz, tão difícil em nome dos arroubos, dos medos, da preguiça ou do impulso, da aversão ou da atração, do encontro dos prazeres depois de uma resistente negação e principalmente, porque não se pode negar um caráter compulsivo em cada individualidade. O que é complicado de avaliar.
O nem mais nem menos não é uma atitude banal, muito pelo contrário, mas um posicionamento diante da vida que pede um questionamento aprofundado sobre o que queremos e o que somos. É preciso avaliar o carente, o suficiente e o excedente da nossa personalidade, o que demora muito a se conseguir. Isso, quando nos despimos do auto-engano, responsável por dificultar a medida das coisas.
Causador dos excessos, trazendo aquela sensação de que “ou faço sempre e muito ou não faço nada”. Não se trata de uma faceta masculina, de jeito nenhum, mas da nossa insegurança ou ânsia diante dos fatos da existência.
“In médio virtus”, diziam os filósofos latinos. Sem dúvida, no meio é que está a virtude, a inteligência, a maturidade. Situar-se nesse meio é a chave do reino. Que custamos muito a encontrar.
Foto: Ivone Santos © I stop for photographs