Audrey Hepburn, no filme Breakfast at Tiffany's, de 1961

Sua presença no guarda-roupa é tão inquestionável, que a maioria das mulheres que o possuem talvez nunca tenham atentado para a origem e simbologia deste fenômeno dentro do universo fashion. Quando um visual de estilo se impõe – dia ou noite – ele é o curinga essencial, pronto para envolver sua portadora de simplicidade e glamour, de praticidade e sofisticação, ousadia e sobriedade. Efeitos que se justapõem e jamais passam despercebidos quando uma mulher usa um vestido preto. Eis a mística do infalível “pretinho básico” (mesmo que nem sempre tão básico assim). 

1926. Depois dos espartilhos apertados e volumes de saias sobrepostas, a moda se rendia à liberdade de modelagens soltas, de comprimentos reveladores de pernas e joelhos, de ombros à mostra… 

Enquanto a silhueta ganhava novos contornos, foi uma cor – ou não-cor – o preto, que marcou para sempre a evolução do mundo fashion feminino. Até então, o código era claro: mulher vestida de preto só podia estar de luto. Mas eis que a inovadora Coco Chanel resolve alterar a ordem das coisas e incluir um vestido preto em sua coleção, criando assim um ícone do design de moda. A subversão que isso representou na época pode ser resumida pela suposta alfinetada que o estilista Paul Poiret, conhecido como “King of Fashion”, mas já incomodado pela concorrência, teria dirigido à jovem Coco, numa ocasião em que se encontraram, ela vestida de preto: “Por quem está de luto, Madame?”, perguntou ele. E teve como resposta: “Por você, Monsieur”.

 

Gabrielle (Coco) Chanel, por Man Ray, em 1935

Tempos turbulentos de depressão e guerra não abalaram a adoção do preto pelas mulheres, que agora saíam para trabalhar fora e precisavam de roupas sóbrias, sem ostentação. Mais amenos, os anos 50 viram surgir a moda que valorizava as formas femininas, dando passagem às décadas libertárias de 60 e 70, com o pretinho sendo reinventado a cada passarela e sobrevivendo a psicodelismos coloridos. A partir dos anos 80 ganhou ainda mais destaque com a valorização do sucesso profissional da mulher, o que demandava uma roupa eclética, para ir a todos os lugares a qualquer hora, mantendo a aura de poder e feminilidade. 

Segundo Didier Ludot, expert em alta costura, curador e colecionador de moda, em seu livro The Little Black Dress, An Exercise in Style, “o chamado vestido preto básico é uma união de opostos. Ao mesmo tempo em que simboliza a mulher respeitável, tem um olho na sedução; o vestido preto faz a mulher se sentir segura, mas também muito mais perigosa. Triunfo da ambivalência, o vestido preto esconde a malícia atrás da seriedade; para ele convergem o vício e a virtude”.  

Antes de qualquer teoria, fato é que após a quebra de tabu proporcionada pelo modelo de Chanel (publicado em desenho pela revista Vogue e conhecido como “Ford”, em alusão ao primeiro e acessível carro produzido em série, correspondente na época ao “pretinho básico dos automóveis”), o vestido preto se tornou obrigatório nas coleções da maioria dos estilistas. De Lanvin e Balenciaga a Christian Dior, de Givenchy e Yves Saint Laurent a Cardin e Courrèges, de Karl Lagerfeld (no comando da Maison Chanel) a Azzedine Alaïa, de Issey Miyake a Christian Lacroix, de Jean Paul Gaultier a Thierry Mugler, de Miuccia Prada a Calvin Klein e Donna Karan, de Tom Ford (para Gucci e YSL) a John Galliano (para Dior) e Alexander McQueen (para Givenchy), todos criaram inúmeras versões do vestido preto, revolucionário tornado clássico. 

Ou, como defendeu Christian Dior, em 1954, “você pode usar preto a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer idade e em qualquer ocasião. Um vestido preto é peça essencial no guarda-roupa de uma mulher”. 

Fórmula imbatível há mais de 80 anos, o pretinho básico pode até faltar em desfiles de tendências, pois acima de coleções e estações ele resiste pelo próprio estilo. Se não está na passarela, está no armário, sempre pronto a sintetizar simplicidade e elegância. 

 

Pretinhos, básicos imortalizados 

  • O de Audrey Hepburn, um Givenchy, no filme “Breakfast at Tiffany’s”.
  • Outro de Audrey, em “Sabrina”.
  • O de Jeanne Moreau, em “Os amantes”.
  • O de Monica Vitti, em “La Notte”.
  • O de Anita Ekberg, em “La Dolce Vita”.
  • O de Catherine Deneuve, em “Belle de Jour”.
  • O de Jackie Kennedy, em tour presidencial pela França, que inspirou a famosa frase de John Kennedy:  “Eu sou o homem com Jackie”.
  • O Versace, fechado por alfinetes, usado por Liz Hurley na première de “Quatro Casamentos e um Funeral”.
  • O Valentino vintage, usado por Julia Roberts quando ganhou o Oscar de melhor atriz.
  • O que a Princesa Diana usou para jantar na Casa Branca e dançar com John Travolta.
  • Os de Edith Piaf: em início de carreira, a cantora usava um simples vestido preto, provavelmente o único que tinha para se apresentar. No auge do sucesso, manteve a imagem básica, porém com assinaturas como Christian Dior e Jacques Heim.
  • Os “modelitos” de Morticia Adams, Lilly Monstro e… Betty Boop.
  • E, anterior a todos, o que em 1884, na pele de Virginie Gautreau, foi retratado na tela Madame X, por John Singer Sargent.  O modelo de cetim preto, já ousado para a época e originalmente pintado com uma das alças de pedraria caída,  causou escândalo e abalou a carreira do pintor americano, que tentava se impor em Paris. Ele enfim retocou o quadro, colocando a alça no ombro da modelo para acalmar a conservadora opinião pública.

    A alça do "pretinho", caída e, depois, repintada no ombro

    Fotos: Reproduções[slideshow]