Para celebrar 15 anos da mais badalada safra da Toscana da 2ª metade do século passado colocamos à mesa grandes tintos de diversos estilos, dessa que é uma das mais charmosas regiões vitivinícolas do planeta
Em 1997 os toscanos celebraram a natureza, pois o clima propiciou condições espetaculares para o cultivo das uvas viníferas. Logo nos anos seguintes os vinhos, dessa reluzente safra, começaram a chegar ao mercado e foram despontando em qualidade, com os vinhos mais básicos, como os Chianti Classico. Os vinhos mais especiais e de maior potencial de guarda chegaram ao mercado no final de 1999 e, a grande maioria, chegou no ano 2000. Nesse caso estamos falando dos Chianti Riserva e dos Super Toscanos. Esses últimos já eram uma febre naquela ocasião, principalmente no mercado americano. Os Brunello e os Brunello Riserva chegaram nos anos seguintes (2002, 2003 e 2004) desse novo século. Em minhas visitas a Toscana e encontro com os produtores da região em diversas feiras, a safra não tem tanta badalação como a mídia publicou, mas todos confirmam que os resultados foram de muito bons a excelentes. De qualquer maneira o marketing que foi massificadamente realizado ajudou para a popularização da safra 1997 como a safra do século na Toscana.
Controvérsias a parte venho degustando vinhos dessa região e safra desde o seu lançamento e posso afirmar que tivemos realmente vinhos extraordinários, em todos os níveis de preço. Lembro-me bem do Chianti Classico Felsina Berardenga 1997, degustado em 1999. Estava excelente na ocasião e fui degustando uma garrafa por ano desde então… Minha última garrafa foi degustada em 2008. O vinho ainda estava integro e delicioso. Isso é para dar agua na boca, pois também degustei de 2000 em diante os grandes tintos tanto da Toscana Central, tanto quanto da Costa Toscana quanto de Montalcino. No ano 2001 realizamos varias degustações com os Super Toscanos 1997. O vinho mais impactante de todos foi o Siepi da casa Mazzei, em mais de uma ocasião. Esse inebriante tinto por ser um corte de Merlot com Sangiovese em partes iguais, estava sempre mais forwardque seus rivais com predominância de Cabernet Sauvignon e/ou Sangiovese.
Os Super Toscanos com Cabernet Sauvignon predominante ,na sua maioria, estavam muito duros no começo do milênio. Os anos foram passando e algumas conclusões foram aparecendo. Dois anos atrás provei novamente o Siepi 1997. Os anos lhe fizeram bem, mas sua estrutura começou a ficar “cansada”, indicando a teoria da influência do Merlot toscano, que concede “redondeza” e ao mesmo tempo mais prontidão para o consumo. Um grande vinho, mas que já estava passando de seu pico de maturidade. Ano passado provei o Flaccianello dela Pieve 1997 da casa Fontodi, com um dos confrades. Por ser um sangiovese in purezza mostrou força e a vida. Estava excelente. Tanto eu, como o confrade, avaliamos essa preciosidade com 94 pontos. Foi esse vinho que nos inspirou a revisitar os grandes tintos da safra 1997 da Toscana, no ano em que completam 15 anos.
Depois de muito estudo decidimos que teríamos seis vinhos, que necessariamente abrangessem as três macro regiões da Toscana (Toscana Central, Costa e Montalcino) e também vinhos sangiovese puros (in purezza)e outros cortes com Cabernet Sauvignon, majoritariamente.
Os tintos toscanos 1997 escolhidos foram quatro da Toscana Central, um da Costa (Bolgheri) e um de Montalcino, são eles:
Toscana Central
Fontodi Flaccianello della Pieve – Sangiovese in purezza
Antinori Tignanello – 80% Sangiovese e 20% Cabernet Sauvignon
Antinori Solaia – 80% Cabernet Sauvignon e 20% de Sangiovese
Jacopo Biondi Santi – Sangiovese in purezza
Bolgheri
Le Macchiole Paleo Rosso – 80% Cabernet Sauvignon, 15% Sangiovese e 5% Cabernet Franc
Montalcino
Altesino Brunello di Montalcino Montosoli – Sangiovese Grosso in purezza
Como de praxe os vinhos foram servidos pelo seu colunista para sete enófilos, todos grandes e exímios degustadores. Como sempre escolhi uma ordem que não pudesse deixar muitas pistas aos presentes à mesa. A primeira e agradável noticia é que todos os vinhos estavam impecáveis e sem nenhum defeito. As rolhas causaram impacto, pois todas estavam integras e em perfeito estado de conservação. A 2ª e mais especial notícia, depois do primeiro acesso, exclusivamente realizado por mim, foi que todos os vinhos estavam em altíssimo patamar, todos excelentes.
O Blind Tasting
Após todos estarem servidos, começamos as analises. Depois de alguns minutos para que todos pudessem fazer a 1ª fase da avaliação, começamos com os comentários relativos à parte olfativa, não esquecendo também uma breve analise sobre a cor dos vinhos. Os dois primeiros comentários foram o que todos queríamos ouvir, com uma quase total unanimidade que todos os vinhos estavam de muito bom para excelentes. O destaque negativo foi a relativo a amostra numero 4, que sem duvida se destacava por estar mais turva que as outras amostras. Apresentava mesmo uma grande quantidade de partículas em suspensão. Dois dos degustadores já classificaram essa amostra como o “judas” da mesa, ou seja, o vinho que se destacava para o lado negativo, o que menos os agradou. Por pura ironia do destino a amostra numero 4 era a nossa fonte de inspiração, o Fontodi Flaccianello dela Pieve 1997. Uma pena, pois o fato de estar turvo, o prejudicou na avaliação final. Outra observação importante foi a percepção de doçura mais pronunciada na amostra numero 1, principalmente se comparada com os outros vinhos da mesa. Logo na sequencia os mais eloquentes começaram a eleger seus favoritos. Depois de mais alguns minutos comentamos com mais ênfase as amostras numero 5 e 6, que se destacaram como os mais apreciados pelo grupo. Foram realizadas também revisitações a algumas outras amostras. A mais falada foi novamente a amostra numero 1. Esse tinto confirmou em boca o que havia sido detectado nos aromas. Era mesmo o mais “doce” da mesa, o mais moderno. Um tinto alegre, repleto de vida. Muito prazeroso.
Estamos falando do Le Macchiole Paleo Rosso 1997. A disputa para levar a medalha de ouro foi emocionante e depois da apuração chegamos ao pódio final. Em primeiro lugar a amostra 6, em segundo lugar a amostra 5 e em terceiro lugar, a amostra 3. Os votos de seu colunista não foram computados. Nessa ocasião minha avaliação pessoal só se diferenciou do grupo com relação ao primeiro colocado. Meu ouro foi para a amostra 5 e a prata para a amostra 6 (ressalto que fui o único da mesa que fez a prova non blind).
A amostra 5 era um exemplo de um tinto equilibrado, com bom corpo e ao mesmo tempo repleto de finesse, tanto aromaticamente quanto gustativamente. Seus taninos estavam beirando a perfeição. Um tinto inesquecível, pronto para o consumo. Se tivesse mais algumas garrafas ousaria abri-las até 2018. Esse tinto com alma francesa (80% de Cabernet Sauvignon) e raça italiana é o grandíssimo Antinori Solaia 1997. Afortunadamente tive a oportunidade de provar recentemente mais três Solaia. Foram eles o 2001, 2006 e o 2007 (no final de 2010). Todos grandiosos variando em minhas avaliações entre 94 e 98 pontos. 2001 – 94 pontos, 2006 – 96 pontos e 2007 – 98 pontos. Posso assegurar que esse tinto toscano está entre os mais espetaculares Cabernet Sauvignon predominante de todo o Mundo. Minha avaliação para o Antinori Solaia 1997 foi de 96 pontos. (medalha de ouro em minha avaliação pessoal e medalha de prata do grupo).
A amostra 6 estava realmente fantástica. Um tinto sedutor, com a fruta madura ainda muito viva. As cerejas negras maduras estão deliciosamente em destaque ao lado de nuances de alcaçuz e um hint de tabaco. O carvalho está em total consonância ao lado da fruta, dos tostados e das especiarias. Muito equilibrado. Gustativamente o destaque foram os taninos com excelente formação. Acidez bem marcada. Balanceado e com um final delicioso. Excelente para consumo hoje, mas pode evoluir por mais alguns anos. Particularmente apreciaria essa delicia nos próximos 2/3 anos. Estamos falando do Altesino Brunello di Montalcino Montosoli 1997. Minha avaliação foi de 95 pontos (medalha de ouro do grupo e minha medalha de prata).
A amostra 3 tinha como diferencial um estilo mais formal, um vinho de certa maneira mais clássico que os outros da mesa. Estava em perfeito estado e tudo parecia estar milimetricamente projetado para ser degustado naquele exato momento. Mostrou-se um pouco mais fechado no inicio, mas foi melhorando de maneira impressionante. As frutas negras, bem marcadas, estavam perfeitamente integradas ao conjunto de álcool, madeira e acidez. O Antinori Tignanello 1997 estava reluzente e delicioso. Pronto para o consumo. Minha avaliação foi de 93 pontos.
As minhas avaliações pessoais restantes foram: Fontodi Flaccianello dela Pieve 1997 – 92 pontos, mesmo prejudicado por estar turvo, Le Macchiole Paleo Rosso 1997 – 91 pontos e, por último, o Jacopo Biondi Santi Sassoalloro 1997 – 90 pontos (amostra número 2). Fiz questão de ressaltar por último, para destacar o nível desse blind tasting, com nenhum vinho abaixo de 90 pontos. Tivemos uma noite inesquecível para comprovar a qualidade da soberba safra 1997 da Toscana.