Livro angustiante destrincha o relacionamento entre mãe e filho diante de um ato absurdo de violência.
Foi em julho do ano passado que um cara com sérios problemas psicológicos invadiu um cinema durante a estreia de um filme e abriu fogo contra os inocentes que se divertiam numa quinta-feira a noite.
Também no ano passado, foi lançado um filme chamado Tarde Demais, que acompanha a história dos pais de um garoto que realizou um massacre na sua faculdade. Como se sabe, vários filmes e livros buscam uma explicação para esse acontecimento, que acontece pelo menos anualmente em algum ponto do mundo e sempre choca pela brutalidade como é realizado.
Precisamos Falar Sobre o Kevin (tradução de Beth Vieira e Vera Ribeiro; Editora Intrínseca, 464 páginas, R$ 34,90) segue essa linha ao explorar esse tema, mas se sobressai por conseguir criar um livro cruel e cru ao mesmo tempo. É daquele tipo de obra em que você vai ficando desconfortável enquanto lê pelas atitudes do seu protagonista e pelo desencadear da história.
Para falar de Kevin Khatchadourian, de 16 anos — e responsável por uma chacina que liquidou sete colegas, uma professora e um servente no ginásio de um bom colégio dos subúrbios de Nova York —, o autor Lionel Shriver não apresenta mais uma história de crime, castigo e pesadelos americanos, mas busca no papel de Eva, a mãe do assassino, uma resposta por meio de cartas que ela escreve ao pai ausente em busca das razões que levaram ao crime. Torturada pela culpa de que pode ter sido responsável de alguma maneira pelo massacre e pelo fim trágico do filho — que vive numa prisão para jovens delinquentes —, ela reflete sobre se teria sido uma mãe ruim ou se Kevin nasceu irremediavelmente mau.
É a partir dessa nova visão que Shriver consegue pegar o leitor pela alma e transpor todas as emoções, dores e dúvidas de Eva a cada frase, a cada passar de página. Precisamos Falar Sobre o Kevin é capaz de unir a discussão sobre casamento e carreira; maternidade e família; sinceridade e alienação. Ainda assim, denuncia o que há de errado com culturas e sociedades contemporâneas que produzem assassinos mirins em série e pitboys. Ponto para Shriver que consegue com coragem, sensibilidade e destreza desenvolver uma história a partir de um tema superexplorado e poucas vezes pensado da maneira como ele nos traz com o livro.
Adaptado para os cinemas, Precisamos Falar Sobre o Kevin é um thriller imperdível no qual não se indaga quem matou, mas o que morreu no relacionamento entre mãe e filho: foi o amor? O excesso de cuidado? Ou de proteção? O que faltou nesse relacionamento? Assim, a narradora tenta encontrar respostas para o tradicional “onde foi que eu errei?” e desnuda, assombrada, outra interdição que envolve o relacionamento familiar: é possível odiarmos nossos filhos?