Livro de escritor carioca utiliza a narrativa cruzada para explorar os dramas humanos

amanhã não tem ninguém

Alguns livros buscam tratar de temas presentes no nosso cotidiano e que muitas vezes ignoramos pelo tanto de coisa que temos para fazer. Existem aqueles autores que unem vários personagens construindo um romance delicado e incrivelmente humano, daqueles que a gente lê num segundo e fica depois horas refletindo sobre o que estava no papel.

É o caso do segundo romance do carioca Flávio Izhaki, que se destacou como um dos mais talentosos escritores de sua geração ao lançar o elogiado De Cabeça Baixa em 2008. Amanhã Não Tem Ninguém (Editora Rocco, 200 páginas, R$ 28,00) costura as histórias de seis personagens com idades e características diversas, a partir de um eixo em comum: o peso da finitude e da incomunicabilidade.

Aqui, testemunhamos desde um adolescente que acompanha o caixão de seu bisavô, dentro de uma Kombi, angustiado por desconhecer o seu papel naquele ritual, um relojoeiro que é pego de surpresa por um AVC e sobrevive, mas anos depois precisa conviver com a perda da mulher; um médico recém-formado que descobre que não está preparado para lidar com a presença da morte em seu trabalho; um garoto que se aproxima de sua sexualidade ao mesmo tempo em que se sente atraído pelo contraditório chamado da guerra; uma senhora que vela o corpo do pai no hospital e contextualiza a própria vida; e Uma mulher, recém-separada, não consegue se comunicar com o filho, preso num jogo de videogame em looping.

Essas histórias vão além do que o laço de parentesco e a proximidade física proporcionam para o ser humano, trabalhando com um tipo arrebatador de solidão que os agrega e faz com que suas histórias pareçam embaralhadas e articuláveis, a ponto de simularem convergir para uma grande trama em comum.

Apesar de atados a dramas corriqueiros, seus personagens escapam dos estereótipos. O jogo narrativo empreendido pelo autor desenha microcosmos tão perturbadores quanto irresistíveis. O que ele narra, nos diferentes capítulos desse romance, é uma metamorfose da solidão – o sentimento que, apesar de universal, pode assumir facetas sempre surpreendentes, dotadas de alto poder literário. E eis aí o trunfo deste novo romance.

Narradas em primeira pessoa, as histórias revelam a asfixia de cotidianos marcados pelo não dito, pela insegurança, pela perda. Religião, desencanto e tédio articulam-se num retrato desolador das instituições que formam o dia a dia contemporâneo. Não à toa, quase todo o enredo de Amanhã não tem ninguém se passa dentro de casa, da escola ou do hospital, no seio familiar, dentro das relações mais íntimas.

Também não é à toa que as vozes narrativas se embaralham nas páginas deste livro. Os capítulos recebem nomes de dois ou três personagens: é a vez de cada um deles contar sua história. O revezamento nas rédeas da ficção conduz a trama, jogando luz e sombra em personagens e fatos. São a massa uniforme de uma angústia irreversível, familiar. E, ao mesmo tempo, oferecem com suas vozes singulares um alento já que o tempo, finito, é também repleto de afetos.

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