EU MAIOR: O autoconhecimento como fonte de felicidade

Alice

A persistência e curiosidade fizeram Alice chegar àquele lugar. A trilha, na floresta, dividia-se entre inimagináveis caminhos que poderiam levá-la ao que almejava ou encaminhá-la a infindáveis armadilhas. Sem saber qual das veredas tomar, Alice depara-se com uma personagem anacrônica e fabulosa, de um sorriso inconfundível, tomada por uma facécia exótica. A menina, imediatamente, preenchida pelo receio dos desconhecidos caminhos, manifestou que gostaria de fazer-lhe uma pergunta. A personagem, em tom de pilhéria, assinala positivamente, receptiva à temeridade daquela criança. Alice, com voz questionadora e com a mente cheia de incertezas, gostaria de saber para onde iriam aqueles caminhos que poderiam guiá-la. A personagem opta por fazê-la refletir: “Menina, isso depende muito de para onde queres ir”. Alice, transviada, respondeu: “Não sei. Estou perdida. Preocupa-me pouco para onde irei”. Categoricamente a personagem reflete e arremata o diálogo: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”.

Alice no país das maravilhas

Charles Dodgson (Lewis Carroll), Alice Liddell e os personagens do livro “Alice no país das maravilhas”. Ilustração de Inga-Karin Eriksson (1993)

Embora o relato anterior não corresponda fielmente às histórias que Charles Dodgson, um professor die matemática britânico – mais conhecido pelo pseudônimo “Lewis Carroll” -, contou à sua amiga, Alice Liddell – em quem a personagem Alice foi inspirada-, salta aos olhos e às nossas mentes a reflexão imortalizada. O Gato de Cheshire, ao encontrar Alice perdida, simboliza uma das mais magníficas e significativas incertezas da vida: para onde queremos ir? A sapiência da frase não faz relação, diretamente, ao conteúdo de uma provável resposta, mas ao que essa simples oração, na realidade, esconde. Subjaz à questão da sorridente personagem uma série de incertezas simples, mas quase impossíveis de serem sanados: Quando é hora de partir? Quando optar por caminho diferente? Quem estará comigo na hora de escolher os caminhos? Quem eu gostaria que estivesse? Quem encontrarei no caminho? Quem sou eu? Conheço-me a mim mesmo?

Essas dúvidas não são contemporâneas: acompanham o ser humano desde que o homem possui consciência sobre si. A máxima do templo de Delfos “Conhece-te a ti mesmo” nunca foi tão reverberada, já que as perspectivas atuais da existência não são tão promissoras (falta convivência, a alegria é ausente, a felicidade quase inexistente e o tempo se esvai cada vez mais depressa). Por isso, lançar-nos-emos à luz dessa reflexão, em uma profunda e fortuita trilha do autoconhecimento e, quiçá, da felicidade.

Um EU muito MAIOR

Não é preciso ser um grande pensador, colecionar pomposos títulos, muito menos possuir as soberbas respostas. Os Schultz idolatraram apenas as singelas, mas imprescindíveis, ferramentas conscientes que possuíam: a dúvida, a curiosidade e a observação.

Paulo e Fernando, ambos Schultz, cinéfilos por excelência, e cineastas por decência, não são reconhecidos por suas empreitadas “Universais” ou astutas como a “Raposa” dos séculos passados. Talvez não sejam, sequer, conhecidos. Mas bastou, em um rompante, realçar as lentes da realidade para enxergarem além da fronteira.

Paulo Schultz; Fernando Schultz e André Melman

Da esquerda para a direita: Paulo Schultz (co-diretor); Fernando Schultz (co-diretor) e André Melman (co-produtor)

O objeto da curiosidade dos irmãos, nas palavras de Fernando, “sempre interessou a nós, da família Schultz, e ao André Melman, co-produtor. Cada um nós, à sua maneira, investiu muito ao longo dos anos na questão”.  Na questão…

Uma questão separa os Schultz dos demais cineastas: algo grandioso, sem pretensões de soberba, astuto sem pedantismo, profundo sem vaidade. Algo que importa. Mário Sérgio Cortella, filósofo e educador, já profetizara: quando algo ou alguém importa para nós, portamos essas pessoas para dentro de nós mesmos. Fazemos com que cada pessoa se torne parte do nosso Eu. Aliás, o que os Schultz fizeram deve importar para nós. Deve fazer parte do nosso Eu. Um Eu, talvez, maior do que todos pensam, avaliam e julgam. Um EU MAIOR.

A ideia é ousada: trilhar o caminho do autoconhecimento e da busca pela felicidade. Veredas cheias de obstáculos e contrapontos: para Fernando, co-diretor, “a proposta maior do filme não é apresentar respostas, e sim refletir sobre temas profundos, o que inevitavelmente levanta perguntas”. Um abuso para qualquer depressivo. Uma cesta de frutos para uma pecaminosa Eva. Incertezas férteis para um kantiano.

Professor Hermógenes, ao fundo, e Fernando e Paulo Schultz, ambos com câmeras/ Divulgação

Fernando Schultz e Rubem Alves

Fernando Schultz com o educador Rubem Alves, durante as filmagens/ Divulgação

Embora o “roteiro” do longa se baseie nos depoimentos de personalidades, o filme não tem a veleidade de apresentar-se como guru da década. As incríveis “Receitas para o Sucesso”, os infinitos “Como alcançar o topo em cinco passos”, “Como mexer em queijo alheio sem que percebam…” são deixadas para os grandes “esotéricos” que obtêm respostas para todas as perguntas (embora essas questões já tenham sido respondidas pelos mesmos gurus anos anteriores, como diria o filósofo e professor Clóvis de Barros). Melman e os Schutz apenas idolatram a dúvida: as respostas são obsoletas. Aliás, os questionamentos e reflexões propostos por personalidades importantes (que importam a alguém ou a vários “alguéns”) tornam-se a aura do EU MAIOR: “À medida que gravávamos uma entrevista, a experiência nos ajudava a definir quem deveria ser o próximo entrevistado.  Buscamos pessoas de cabeça aberta.   Alguns dos entrevistados são tidos como mestres, mas maioria não. De qualquer forma, nenhum deles acha que é dono da verdade; são seres humanos com perfis diferentes e experiências de vida que lhes trouxeram insights sobre a sua essência”, explica Fernando.

Mário Sérgio Cortella

Mário Sérgio Cortella, filósofo e educador, durante as filmagens em seu escritório/ Divulgação

Leonardo Boff

Leonardo Boff, teólogo, em gravação para o Eu Maior/ Divulgação

Embora as mensagens e indagações acerca do autoconhecimento formassem sementes prontas para germinação, não há um campo fértil que não precise ser arado ou um mágico autofinanciamento capaz de se reproduzir a excelência do cinema. Uma ideia, um projeto e um ideal não se sustentam na ausência de fortes vigas que mantêm inabalável o edifício das realizações.

Lais Bodanzky

Lais Bodanzky, cineasta/ Divulgação

O Eu Maior demorou quase 4 anos para ser elaborado: “A primeira entrevista deu-se em dezembro de 2009.  Naquele momento tínhamos patrocínio de apenas uma empresa.  Foi um apoio relativamente pequeno, mas que nos possibilitou gravar as primeiras entrevistas, e mostrar que um documentário sobre autoconhecimento era, sim, possível” O mérito e originalidade na concepção e no aprimoramento técnico da produção está no levantamento coletivo de dinheiro, o chamado Crowdfunding: “não é só funding (dinheiro).  É crowd (coletividade).  Ao mobilizar as pessoas, você está divulgando o filme mesmo antes dele ficar pronto, e isso será muito útil na época do lançamento. Levantamos R$ 208,6 mil junto a 600 patrocinadores pessoa-física. O valor corresponde a 25% do valor total do projeto, que também contou com o patrocínio de empresas de peso”, informa Fernando Schultz, um dos diretores do longa.

Letícia Sabatella

A atriz Letícia Sabatella, enquadrada pelas câmeras/ Divulgação

Um Eu em busca da felicidade

Márcio Libar

Márcio Libar, ator e diretor teatral/ Divulgação

Certa vez um poeta, beberrão, intelectual, nem sempre honesto e de fama apaixonante, legou-nos uma das maiores percepções sobre a felicidade. Os ritmados versos de sua canção deram as notas da quimera humana: “felicidade é como a pluma/ que o vento vai levando pelo ar./ Voa tão leve/ mas tem a vida breve/ Precisa que haja vento sem parar”.

As massas de ar, notórias e notáveis, de nossas vidas, que deveriam movimentar-se sazonalmente, parecem estar aprisionadas por questões “ambientais” severas. A desterritorialização da alegria e a empáfia gerada por um movimento de autoafirmação constante condenam o curso natural dos fenômenos da natureza. Aliás, os fenômenos deixaram de sê-lo, para serem FENÔMENOS: muito espanto para pouco Páthos.

Mas para onde estão soprando os ventos? Para onde aponta nossa felicidade?

“O filme deixa claro que a definição de felicidade é muito subjetiva.  Os entrevistados têm definições diferentes, e expõem isso.  Porém, vários deles entendem a felicidade como um processo, muito mais do que um estado.  Como disse um deles, “’felicidade não é um destino final; é um jeito de viajar’”, responde Fernando Schultz.

Flávio Gikovate

Psquiatra Flávio Gikovate/ Divulgação

“A felicidade não é um destino final; é um jeito de viajar”… Não importam a partida e a chegada, mas sim a travessia. O que é importante em um EU enquanto se atravessa essas duas pontas da vida atadas por um destino?

Marina Silva

Marina Silva, política e ativista/ DIvulgação

Talvez o que nos faça seguros de uma travessia tranquila seja nos reconhecer como grandes Eu. Um Eu que, para todos os efeitos, adquire a carga, o tamanho, a sapiência, a emoção, a textura, a moral de um Eu. Um Eu, ainda pequeno na palavra, mas grande em importância e na expansão. Um Eu Bom (um Eu Eu). Um Eu muito grande. Um Eu cada vez maior. Um EU MAIOR.

Rubem Alves

Rubem Alves, educador e escritor/Divulgação

Portanto, a pergunta preferida de alguns comunicadores é extremamente valorosa no encontro do nosso Eu: Conhece-te a ti mesmo. Portanto, quem é você?

“Acho que uma resposta sincera seria:  sou um ser-humano em busca do autoconhecimento, por entender que a felicidade está intimamente ligada a ele”, finaliza Fernando Schultz.

Para quem ainda não assistiu, a produção lançou o filme, em primeira mão, no youtube. Assista abaixo.

Para mais informações, acesse www.eumaior.com.br

Prem Baba