Olhar para as nossas emoções, inclusive aquelas que incomodam, é a única maneira de cultivar relações equilibradas com leveza e ficar em paz com nós mesmos e com o outro
Na primeira vez que fui a um circo, eu era ainda bem pequena. Mas já sabia perceber as cores, as luzes, os sorrisos e também a alegria que moravam embaixo daquela lona gigante, ao menos diante dos olhos curiosos de uma criança. Embora não tenha boa memória, eu me recordo de uma cena que ficou em meu pensamento: lá no alto, uma bailarina se equilibrava com toda delicadeza na corda bamba. Em uma das mãos, ela segurava uma pequena sombrinha colorida, enquanto a outra mão, livre, apenas parecia tatear algo que a ajudava a se equilibrar no ar.
O movimento de ir e vir se repetiu algumas vezes e tive medo de que a bailarina caísse. Até que os aplausos encerrassem o espetáculo e me devolvessem para a realidade, alternei momentos de encanto e agonia. Eu sei que você pode até estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com o texto, mas é que, às vezes, penso que parecemos caminhar lentamente na mesma corda bamba daquele circo, só que entre nossas emoções e sentimentos.
É preciso equilíbrio para manter a leveza e não despencar lá de cima, com as mãos cheias de nossas fragilidades e anseios. Embora não estejamos sós nesse mundo, somos no fim das contas os únicos responsáveis por toda a travessia e por nos devolver sãos e salvos ao chão, ainda que com alguns arranhões.
Medo de não ser aceito impede relações equilibradas
Mas na corda bamba de nossas relações, muitas vezes perdemos essa delicadeza e transferimos ao outro uma certa responsabilidade por nossas quedas ou por aquilo que apenas não saiu como desejávamos. Abrimos espaço para sentimentos que nos desestabilizam, como a raiva, a tristeza, o apego, a dor, porque nem sempre estamos prontos para encará-los de frente e compreendê-los como uma parte só nossa. “Quando falamos de relações, sejam elas quais forem, observamos que tem muita expectativa ao redor: estamos sempre esperando que o outro vá agir da forma que queremos”, pontua Giti Bond, terapeuta e instrutora de ThetaHealing.
Ela me disse que toda essa espera pelo que é do outro muitas vezes vem do nosso medo de não ser aceitos. Queremos tanto ser amados, que criamos em nossa mente a ideia de que, se não fizermos o que o outro espera, ele não vai nos acolher. E então acabamos criando relações longe de serem equilibradas e que se sustentam à base de uma espécie de troca: desejamos ser perfeitos para sermos aceitos e, consequentemente, depositamos no outro a obrigação de nos entregar essa mesma perfeição para também ser digno de receber o nosso amor. “Nosso valor está em grande parte atribuído ao externo, à posição que temos no trabalho, à pessoa que vai atingir nossas expectativas, ao que esperam de nós. Perdemos o valor interno”, completa.
Solte as expectativas
E isso é muito mais comum do que imaginamos. Giti me contou também que esse estado constante de espera está diretamente ligado ao amontoado de informações e influências externas que recebemos ao longo da vida e que ficam guardadas dentro de nós, movendo as nossas ações de maneira inconsciente.
Quando somos crianças, por exemplo, ouvimos de nossos pais que precisamos atingir certos objetivos para sermos pessoas melhores, e aprendemos a atribuir nossos valores àquilo que alcançamos e não ao que realmente somos.
Essas crenças tomam proporções ainda maiores à medida que crescemos e colocamos cada vez mais pesos e cobranças sobre nós mesmos. Queremos ter o corpo perfeito, um trabalho que dê mais dinheiro, ainda que isso não seja sinônimo de realização pessoal. Nossas crenças colocam uma venda em nos olhos e impedem que vejamos quem realmente somos, distanciando-nos ainda mais daquilo que é a verdade da nossa alma. “O equilíbrio está em não permitir que nenhuma situação de fora seja responsável por sua felicidade, nem pela sua infelicidade. A resposta está sempre do lado de dentro”, conclui Giti.
Essa conexão com nós mesmos é essencial no processo de entendimento das emoções. Quando paramos um pouco para olhar para dentro e dar um tempo para que todas as expectativas se dissolvam, as coisas vão ficando mais claras e automaticamente libertamos o outro dessa ideia de ser responsável por nossas dores.
Relações equilibradas: o despertar
Com a voz da ansiedade silenciada, retornamos de forma mais madura e consciente para as nossas relações, encontrando mais equilíbrio e discernimento. “O outro não pode lhe dar o que só você pode encontrar. Esse amor completo e divino está dentro de nós”, afirma Giti. Em mais de 30 anos de busca espiritual, ela já se deparou com muitas histórias.
Hoje, desenvolve um trabalho chamado “Ser Consciência”. Por meio de palestras, workshops, meditações e retiros, o projeto nos convida a mergulhos dentro de nós, a silenciar a voz do ego e reconhecer a nossa essência, deixando de buscar respostas do lado de fora para encontrar esse equilíbrio dentro.
Todo esse movimento acontece através do despertar da consciência de quem somos e das relações que desejamos estabelecer e manter ao longo da vida. “Quando você muda o foco, olha para dentro e vivencia o amor que está guardado, naturalmente todos esses condicionamentos perdem força e começam a ir embora, abrindo espaço para relações mais felizes e plenas”, descreveu a terapeuta. Uma vez distantes dessas imposições que criamos, temos uma maior chance de vivenciar os dias com mais leveza e de enxergar o outro além dessas nossas expectativas.
Esteja em equilíbrio consigo
Assim, ao voltar o olhar para o nosso interior, compreendemos que, da mesma forma como somos responsáveis por nossas ações, também somos por aquilo que sentimos. No vídeo inspirador “Você é responsável pelas emoções que sente”, compartilhado pela plataforma “O Lugar” em seus canais nas redes sociais, Eve Ekman, instrutora do programa Cultivando o Equilíbrio Emocional, lembra a importância de sermos honestos, primeiramente com nós mesmos, para depois conseguirmos isso com o outro de forma genuína.
Eve, que também é pesquisadora de regulação emocional e especialista nas áreas de propósito, empatia e esgotamento profissional, diz que, ao adquirirmos essa tão almejada consciência emocional, tornamo-nos capazes de gerenciar conflitos internos e externos com clareza, ficando próximos de um estado de paz nos relacionamentos.
Afinal de contas, se não estivermos em harmonia com nós mesmos, dificilmente conseguiremos trazer um pouco mais de empatia para as nossas relações, sejam elas afetivas profissionais ou familiares. “Muitas de nossas ações, quando não estamos conscientes das nossas emoções, não produzem paz”, disse Eve. Ela explica ainda que, a partir do momento em que chamamos para nós essa responsabilidade sobre tudo o que sentimos, estamos prontos para alcançar a plenitude que tanto necessitamos e buscamos. “Não podemos dizer: ‘mas eles fizeram isso comigo’ ou ‘eles me fizeram ter raiva’. Ainda assim é a nossa raiva”, completa. Seja qual for a emoção, é importante termos consciência de que a vibração e a permanência dela em nossa vida é uma opção só nossa.
Abrace suas emoções
Com esse entendimento mais amplo, nós nos vemos armados diante de nossas neuras e suposições, podendo enfim olhar nossos sentimentos nos olhos e encará-los com cuidado e empatia. Entender mais sobre nós, nossas emoções e medos, abre uma espécie de cortina que encobre nossas relações, e passamos a vê-las com os olhos do coração e não da expectativa ou do julgamento. Trazemos a elas o frescor do orvalho das manhãs de primavera e, convenhamos, conseguir ter relações equilibradas é quase tão libertador quanto tomar um banho de chuva nesses dias mais quentes.
Mas, se é assim tão simples encarar as emoções de frente, por que muitas vezes não conseguimos? Isso acontece porque, muitas vezes, queremos também encontrar uma resposta pronta sobre como acessar esse equilíbrio no nosso dia a dia. No entanto, já sabemos que não é bem assim: não existe um cardápio pronto, com soluções que se apliquem diretamente em nossa vida. Trilhar esse caminho é uma construção diária, em que vamos descobrindo o que nos serve e o que não é compatível com nossa realidade. A partir do momento em que nos tornamos íntimos de nossos sentimentos, somos capazes de perceber, com mais facilidade, o que se passa ao redor e como reagimos a tudo isso.
Curso das emoções
“É importante lembrar que reprimir o que sentimos nunca vai ser uma solução. Não precisamos não sentir, ou evitar as emoções, mas aceitar que elas existem e estão junto de nós”, me explicou Nathalia Roberto. Professora formada pelo programa CEB (Cultivating Emotional Balance), Nathalia se dedica, há cinco anos, a auxiliar mulheres a trilhar um caminho de liberdade interna. Junto à amiga e pedagoga Isabela Ianelli, que realiza um trabalho direcionado à prática de atenção para crianças, a dupla desenvolveu “O Curso das Emoções” (@ocursodasemocoes), que é oferecido on-line e tem por objetivo ajudar os participantes a aumentar o bem-estar emocional e ter uma mente mais estável.
São quinze módulos que abordam o que e como sentimos, e convidam-nos a fazer um percurso intenso pelo resgate interior. “Começamos falando sobre não ter medo de olhar para o sofrimento e aceitá-lo como um estado do nosso emocional, lembrando que, da mesma forma que ele chega, também vai embora. Tudo depende da maneira como conduzimos o caminho”, afirma Isabela. A dupla me explicou que, quando começamos a ganhar intimidade com o sofrimento, entendemos que ele não é só nosso: ele existe também para o outro e cada um o encara de um jeito diferente. “E é aí que vamos buscar uma maneira de sair dele. Mas só conseguimos se o olharmos de frente”, completa Nathalia.
Relações equilibradas: o encontro
Todo esse movimento entre a meditação, o diálogo, a troca de experiências e a percepção de que não estamos sós auxilia nesse objetivo de encontro e relações equilibradas. Ao compreender que tanto o sofrimento quanto a alegria existem (assim como outros sentimentos) e que fazem parte da trajetória, ganhamos mais proximidade com as emoções e com nós mesmos, prontificando-nos a estender a sensação de pertencimento também às nossas relações. “A prática diária se torna uma grande aliada. E, então, ela mesma se torna um caminho”, conta Nathália.
Aceitar suas imperfeições, silenciar, meditar ao menos dez minutos por dia, vivenciar mais momentos que envolvam o amor sem trocas ou esperas; todas essas pequenas coisas são formas de nos olharmos com cuidado e aproximarmo-nos mais da nossa verdade maior. “Você é o amor da sua vida e mais ninguém. Quando você está pleno desse amor, independentemente de qualquer circunstância, ele cria um campo de luz ao seu redor”, explicou Giti.
Com esse amor nos iluminando, contagiamos também aqueles que se mantém perto de nós. Giti diz ainda que, quanto mais ansiamos por alguém, por nos mantermos presos a determinada pessoa ou situação, mais ficamos frustrados e fechados para a experiência da plenitude e do encontro com aquilo que somos. Quando paramos de ter essa necessidade de viver o que é o outro, passamos a compartilhar a vida a partir de um lugar mais consciente, mais distante da carência e das prisões internas. Esse movimento natural de aceitação é que vai permitir que pessoas novas cheguem e que os relacionamentos anteriores prevaleçam de maneira saudável e durem o tempo que for.
Livres para escolher mudar
Compreender que vivemos ciclos e que isso também implica mudanças diferentes dentro de nós e dentro do outro auxilia nosso entendimento de que nada é permanente. Por isso mesmo, somos livres para mudar, escolher novos caminhos, direcionar nosso coração, abrir-nos para o novo, encontrar e partilhar ideias que trazem harmonia e relações mais equilibradas.
O importante para que a nossa corda bamba interna continue nos sustentando no ar é justamente a maneira como escolhemos atravessá-la: se com o peso das nossas aflições em uma mão e de nossas frustrações na outra; ou com uma bagagem leve de sentimentos, com pesos distribuídos para nos sustentar e cuidar da travessia rumo às nossas relações.
Sem toda essa cobrança, a tendência é alcançarmos cada vez mais relações equilibradas que tanto desejamos estabelecer em nossa vida, e que na maioria das vezes já está ali, guardado em nós, em meio aos nossos anseios e aflições. No fim das contas, o mais bonito do caminho é compreender que essas escolhas são unicamente nossas. Ainda bem.
Débora Gomes aprende diariamente a se equilibrar pela corda bamba da vida, e às vezes vai ao circo para relembrar as levezas da infância.