Sua majestade o Rei, ele mesmo, não cruzou o Atlântico no séc. 17, vamos deixar isto bem claro. É entretanto seu retrato, obra magnífica de Diego Rodríguez de Silva y Velázquez (1599-1660), pintor da corte dos reis espanhóis, que quase 300 anos após ter sido pintado desembarca em seu lugar.
Rei Felipe IV da Espanha, Velázquez, c. 1644 (130 x 100cm)
Em 1644 o Rei Felipe IV passa em revista seu exército com exatamente o mesmo uniforme militar do retrato de Velázquez, que o acompanhou na libertação da cidade de Lérida das mãos dos franceses. Na cidade de Fraga, onde o rei se instalou, uma casa foi transformada em estúdio e por três vezes Felipe IV posou para Velázquez. O quadro foi depois finalizado em Madrid.
Diego Rodríguez de Silva y Velázquez, auto-retrato (1599-1660)
Não sabemos ao certo por quais palácios o retrato de Felipe IV passou até que em 1748 foi dado por Ferdinando VI (1713-1759) ao seu irmão Felipe, duque de Parma (1720-1765).
A pintura aparece no mercado internacional em 1910. Após várias gerações passando pela descendência da casa de Bourbon-Parma, morando em diferentes castelos e casas de campo, finalmente é colocada à venda por Elias, duque de Bourbon-Parma (1880-1959).
Confirmando a simples constatação que construiu a surpreendente carreira do extraordinário marchand Joseph Duveen, lorde de Millbank, que “a Europa tinha muita arte e os Estados Unidos, muito dinheiro”, estava selado seu destino e última viagem.
O magnata do aço, Henry Clay Frick (1849-1919) que estava formando uma das mais importantes coleções de masterpieces com a intenção de criar uma galeria para o público, impressionado pela Wallace Collecction de Londres, era o alvo certo. Pegando o gancho de Duveen, mas na outra mão, dizia Frick querer “dar oportunidade a todos Americanos de verem Arte Européia sem precisar atravessar o oceano”.
“Depois dos negócios, o que mais me dá prazer, é comprar arte”, dizia Frick. Mas negociar com este milionário e outros tantos, não era tão simples assim. Como vender arte é uma arte, entrava em cena todo o conhecimento, charme e astúcia de grandes marchands, como Roland Knoedler, Wildenstein e Duveen. Estes homens, responsáveis pela formação das grandes coleções e museus americanos, nos dão lições da arte de negociar e terei prazer em contar casos deliciosos nos próximos Bom Dia com Arte.
Quando Henry Clay Frick compra o retrato de Felipe IV da Espanha, em 1911, pela estupenda soma de 475 mil dólares, esta se torna a mais cara obra de arte comprada por ele até então.
Para aliviar sua “culpa” por ter gasto soma tão alta em uma pintura, Frick, que era conhecido por seu raciocínio brilhante, faz um cálculo que justifica e expia sua culpa.
O milionário, ao saber que Felipe IV pagara a Velásquez o equivalente a 600 dólares pelo trabalho, calcula quanto esta quantia, acrescida de 6% de juros semestrais, teria rendido no período entre 1645 e 1910. Descobre, então, para sua grande alegria, que a pintura lhe saíra praticamente de graça.
Alguns anos depois, em 1913, Frick começa a construção da sua mansão na Rua 70 com a 5ª Avenida, em Nova York, esta que seria a sede de seu maior legado: a Frick Collection.
The Frick Collection, Galeria Oeste em 1927
Recentemente este retrato do rei fez uma breve estadia em outro museu, não tão longe de sua casa, o Metropolitan Museum. Lá foi feita uma limpeza e conservação, a primeira nos últimos 60 anos, e o quadro voltou mais glorioso do que nunca, com toda pompa e circunstância.
Curioso é saber que esta limpeza e conservação foi financiada pela Andrew W. Mellon Foundation, sendo que ele mesmo, Andrew Mellon, foi amigo de Henry Frick por toda a vida. Quando jovens, em 1879, viajaram juntos para a Europa tendo Veneza como meta. Voltaram encantados e apaixonados por arte. Ambos se tornaram incuráveis colecionadores e mecenas.
Para comemorar a volta ao lar, a pintura é o centro da exposição O Rei na Guerra: Retrato de Felipe IV por Velázquez. Na Frick Collection, até 23 de janeiro de 2011.
Henry Clay Frick e sua neta, Adelaide
Fotos: Reproduções