Esta matéria demorou um pouco mais do que o esperado, mas por uma boa causa: comecei a escrever este texto direto de Cancun, México, onde acontece a COP16/CMP6, entre os dias 29 de novembro de 10 de dezembro de 2010. Tentei aguardar que viessem avanços nas negociações para compartilhar com o leitor, mas sem sucesso. A temperatura da Conferência está bastante morna e frustrante para grande parte dos que estão ali presentes. A Conferência se encerra hoje.
Antes de iniciar, melhor já explicar as siglas: a COP16/CMP6 é a 16ª Conferência das Partes no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e a 6ª Reunião das Partes para o Protocolo de Quioto, que ocorrem simultaneamente.
Os países Partes da Convenção estão reunidos em Cancún após o fracasso que foi Copenhague em dezembro do ano passado, a COP15, quando todos esperavam que um acordo vinculante para o período pós-2012, quando o período de vigência do Protocolo de Quioto se encerra, fosse adotado.
Estive lá e posso dizer que foi, de fato, decepcionante, ainda que alguns pequenos progressos tenham sido obtidos. Foi adotado o Acordo de Copenhague (“Draft Decision – CP.15”) por alguns países, reconhecendo a necessidade e meta de não se ultrapassar o aumento da temperatura média do planeta em 2ºC – o que seria extremamente perigoso ao sistema climático de acordo com cientistas (4º Relatório do IPCC – “IPCC 4th Assessment Report”) – e anunciando recursos financeiros para tanto (US$30 bilhões de 2010 a 2012 e U$S 100 bilhões anuais até 2020). O Acordo foi elaborado nos últimos dias da Conferência pelos países do grupo BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), Estados Unidos e União Européia, mas não foi adotado por unanimidade por todos os países Partes da Convenção.
Isto tem implicações grandes no que se referem às metas de redução de emissões de gases de efeito estufa-GEE. Estimativas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) mostram que, para que a meta de 2ºC seja atingida, os países desenvolvidos deveriam adotar metas de redução de emissões de GEE entre 25% e 40% até 2020. No entanto, o Acordo de Copenhague prevê apenas uma meta de redução pelos países desenvolvidos de 80% de suas emissões até 2050 e 20% para 2020.
Para piorar a situação, um grupo internacional de cientistas do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente”) acabou de lançar um relatório chamado “The Emissions Gap” (“A Lacuna das Emissões”) informando que, ainda que os países se esforcem ao máximo para reduzir suas emissões para que a temperatura não aumente mais de 2ºC, ainda “sobrariam” 5 bilhões de toneladas de CO2 (gás carbônico) na atmosfera em 2020. Confiram em http://www.unep.org/publications/ebooks/emissionsgapreport/
Em suma, estamos em maus lençóis: muitos dos cenários climáticos previstos pelos cientistas estão e continuarão se confirmando, afetando diversas regiões do globo, principalmente populações e regiões mais vulneráveis e mais pobres e gerando inúmeros impactos na economia, na biodiversidade e no acesso eqüitativo aos recursos naturais.
Neste contexto, a COP16 em Cancun se iniciou com muita ênfase na necessidade dos países renovarem sua credibilidade após Copenhague e terem em mente “equilíbrio e flexibilidade” nas negociações. O desenrolar da Conferência foi esclarecendo o que isto quer dizer: recursos financeiros para adaptação – aspecto de extrema relevância para os grupos de países menos desenvolvidos e em desenvolvimento -; estrutura de governança para o financiamento a curto, médio e longo prazo; metas ambiciosas de redução dos Países do Anexo I para um 2º período de vigência do Protocolo de Quioto; adesão dos Estados Unidos ao Protocolo; Metas, ainda que voluntárias, dos países emergentes como China, Índia e Brasil pelo seu aumento crescente de emissões em números absolutos; Transferência de Tecnologia; definições claras nos mecanismos em discussão. E por aí vai…A missão é grande para alinhar tantos interesses distintos e soberanos.
E eis que ainda nos primeiros dias da Conferência o Japão anuncia com todas suas forças e convicção que rejeita um 2o período de compromissos no Protocolo de Quioto “em toda e qualquer condição e circunstância.” O radicalismo gerou um grande impacto. Afinal, os países emergentes e em desenvolvimento não querem avançar se os Países do Anexo I não se comprometerem com metas ambiciosas. Por outro lado, os países do Anexo I não querem assumir nada se grandes emissores hoje como a China não se comprometerem com metas.
Enfim, muito discurso e, na prática, pouca vontade de mudar. A situação é a mesma da enfrentada em Copenhague: a mesma crise econômica e financeira global e os mesmos entraves nas negociações.
Mas a grande esperança de Cancún está no REDD-plus, mecanismo novo que está em discussão, para a “Redução das Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal”, que remunerará o desmatamento evitado de países em desenvolvimento e os estoques de carbono, ou seja, a floresta em pé. Isto merece um destaque especial pela sua importância para o nosso país, portanto aguardem a próxima matéria…