O caráter mais alto de uma relação chamada amizade
A moça estava na dúvida se avisava sobre a sacanagem feia que estavam preparando para uma grande amiga e consultou a mãe, que por sua vez veio falar comigo. “Será que não é perigoso ela acabar se comprometendo e ficar mal com as duas fulanas, sócias da amiga da minha filha, que estão aprontando? Afinal, não tem nada a ver com isso. Não acha melhor ela não se meter e ficar calada?”
Fiquei horrorizado com a simples hipótese dessa atitude e deixei clara essa posição de forma veemente. Mesmo sabendo – o que é melancólico – que hoje muitos agem assim, usando a desculpa da não intromissão, do ser discreto, do não querer invadir. O que é isso, gente? Ou somos amigos ou não somos.
A lealdade ainda é o caráter mais alto de uma relação que a gente chama de amizade. O ser designa a verdade; o não-ser, a falsidade ou a hipocrisia. Como deixar um amigo, aquele que escolhemos para parceiro da existência para as estreias mais importantes das nossas vidas, cair numa esparrela, levar uma cacetada injusta, ou mesmo ser vítima da maledicência, da vaidade alheia, da inveja, e não alertá-lo? Vamos nos comprometer caso isso venha à tona? Lógico que sim! Mas o que é uma amizade que não o comprometimento com a tentativa de ser verdadeiro, honesto, íntegro?
Vou muito mais longe: se permito a alguém falar mal de um amigo e me calo – quando isso não é uma opinião, direito de cada um, mas uma afirmação com possíveis consequências sérias –, quem não tem firmeza, decência, retidão, sou eu mesmo. A ética é um bem dizer. Eis porque a auto-estima é muito importante para não nos deixarmos aviltar.
No auge da minha insegurança, temeroso de reagir, pusilânime, fraco, muitas vezes deixei que isso acontecesse. Não cortei ou reagi e, depois, quase morri de culpa e vergonha de mim mesmo diante do espelho do banheiro. Hoje tenho uma firme posição a respeito e assumo as consequências. É claro, que discernindo da discussão profissional, da que só a eles diz respeito em termos de uma discrepância pessoal, de uma briga entre casais, de uma pendência jurídica.
Ter amigos leais é muito importante; saber que podemos confiar em alguém faz um bem danado e nos ajuda não só na auto-afirmação, como na fundamental crença no outro. De que a força de um sentimento ultrapassa em muito o medo do ter que responder, dar um testemunho, cacifar uma posição.
A dor de existir, como dizia o filósofo Schopenhauer, é justamente o não confiar em nada, o não acreditar que possa haver alguma verdade a que nos ater, além das conveniências pessoais, dos interesses materiais. A lealdade é o dourado de um cotidiano marrom, o brilho de uma opaca rotina.
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