Alguém interrompe a minha caminhada matinal em seus parcos 40 minutos, o tempo que posso dedicar ao exercício durante a semana, para perguntar “concorda que há pessoas que têm medo de amar e ser amadas?” Senti na pergunta, assim de chofre, sinceridade e ânsia, da minha jovem interlocutora, também vestida com trajes esportivos, em plena Av. da Praia. “Sem dúvida”, respondi e tomando fôlego falei-lhe de amorosidade, uma palavra só usada em comportamentalismo e que exprime bem a condição humana no que refere ao movimento do sentimento amor, tão amplo e tão complexo.
Somos seres amoráveis ainda que não, necessariamente, amorosos. Ser amorável significa não só precisar de amor como se abastecer através dele. Como diz o latim, somos “sub specie amores”, ou seja, sempre na perspectiva do amor. Necessitamos dele assim como do alimento, embora muitos sequer saibam disso e acabem por destruir ou prejudicar muito o processo afetivo-nervoso. A amorosidade é a forma com que lidamos com isso, menos da natureza e muito mais do cultivo. Trata-se de uma atitude do amar e que consiste em praticar atos que ultrapassem a mera satisfação e atinjam o outro em seus próprios apelos emocionais. É através dela que distinguimos as formas de amar. Uma prerrogativa humana elevada onde se incluem o cuidado, o respeito, a confiança e principalmente, a entrega. Pessoas criadas sem o cultivo da afetividade, num lar rígido ou num ambiente frio ou concreto em excesso, assim como, as que tiveram que enfrentar as crueldades existenciais muito cedo, podem ter grandes dificuldades nesse treino de capacidade de expressar aquilo que estão sentindo. Até porque desconhecem que isso se chama amor, por mais que dele precisem. Logo quando se relacionam com pessoas muito amorosas, se assustam ou colocam uma barreira. Um mecanismo de defesa do ego para não sofrer ou não se “rebaixar” no que, para elas, seria uma fraqueza absurda. E separam o amar do ser amado, já que a reciprocidade é demais para sua expressão. Quem não sabe lidar com a sua natureza de ser amorável e se fecha no materialismo, no radical, no externo e só conta com a realidade à frente, também, dificilmente extrapola os limites familiares, sempre mais seguros e transborda para o humanismo.
É clara e comum essa postura de não se aproximar de ninguém que não seja conhecido, vendo-os como “estranhos” ou de não querer deixar ninguém entrar no círculo familiar com medo do que possa acontecer. Justamente porque lida mal com a entrega e se prende na possessividade, assim como mergulha fácil na egolatria. Há muita gente, bem mais do que se imagina com problemas sérios de amorosidade. Precisam de ajuda, de quem os ame com despojamento e com paciência para ir quebrando aos poucos a resistência. E ter próximo quem acredite em sua possibilidade de desabrochar livremente para o amor.