Conseguir perdoar é restituir ao outro uma notável liberdade de ser

Uma leitora muito delicada em seu e-mail fala de uma aflição grande no momento: uma pessoa que lhe fez muito mal pediu perdão nesta semana e ela está muito duvidosa se deve receber a ex-amiga, antes quase uma irmã, para ouvir as razões de suas atitudes e consequentemente perdoar.

Segundo ela, foi tudo tão forte e marcante em termos de falsidade e prejuízo que a arrasou por anos, com golpes emocionais que causaram marcas que julga serem irrecuperáveis e sem volta. Ainda que não especifique exatamente o que houve entre as duas.

Não é fácil e pode até ser inconseqüente opinar nessas situações dramáticas e envolvendo tanto sentimento e mágoa, mas vamos tentar responder, para não cair naquela que sempre critico, o “você é quem sabe”, quando alguém nos pede uma opinião. Não é para ouvir isso que um amigo ou conhecido nos procura. Até porque deve ter respeito pela nossa visão; do contrário não recorreria, certo?

Antes de tudo é preciso lembrar-lhe que o perdão está fora do nosso alcance, não é voluntário, embora a grande maioria não saiba disso. Ou seja, não perdoamos porque queremos e, sim, quando a mágoa sofrida dentro de nós cumpriu seu périplo e se extingue. Podemos ter, sim, a intenção de perdoar, abrir o coração para essa boa vontade de eliminar o mal ou o possível rancor que dele se originou.

Creio ser isso que a amiga lhe pede e espero que seja essa a sua pretensão ao recebê-la. Perdoar não é eliminar a autoria, muito menos esquecer o fato como pregam os mestres de frases feitas. Ninguém é desmemoriado para esquecer assim do dia para a noite. É tentar entender o gesto e a partir daí, desobrigar a pessoa do mal praticado. Ao agir assim, libertamos alguém do aprisionamento ao remorso e à culpa e lhe damos uma oportunidade única: de liberar a consciência para coisas maiores. Ou seja, ao conseguir perdoar, damos ao outro, uma notável liberdade de ser.

O que ajuda tanto a partir para novas possibilidades agora já sem esse peso e gozando da magnificência de reiniciar-se nos apelos de si mesmo. Sempre lembrando que a culpa trava, prende, impede, dificulta o seguir em frente da pessoa consciente e realmente arrependida.

Ponto importante no processo, essa abençoada postura do começar de novo, pegando a estrada com outro ânimo e sem mais carregar tantas pedras na mochila, o que atrapalha o percurso, traz um cansaço imenso.

Eis porque sentir que o perdão chegou quando se ultima a mágoa de quem queremos bem e a quem talvez se tenha prejudicado, mesmo sem a intenção, é quase uma dádiva, a luz da reparação para um reinício de paz.

 

Foto: Alessandra Przirembel Angeli (tela de Tomie Ohtake, da exposição Pinturas Novas, Instituto Tomie Ohtake, 2011)