Obra de jornalista brasileiro vai além daqueles “livros turistas”: ele explora de verdade os costumes e culturas da África
Mais uma vez, temos a África como pauta. E vou pular todo aquele discurso de ligação sobre a África e dizer de uma vez que Candongueiro: Viver e Viajar pela África (Editora Record, 352 páginas, R$ 52,90), do jornalista João Fellet, é uma obra além daqueles “livros turistas”, onde o autor sai explorando o continente africano e relata alguns dos momentos e histórias mais marcantes durante a sua jornada: é um livro que sabe explorar os costumes e culturas dos povos africanos como nunca li em uma obra de não-ficção.
O jornalista Ryszard Kapucinski já tinha feito algo semelhante com Ébano. Mas, pela sua descendência polonesa, o livro “perdia” um pouco do olhar caloroso que Fellet traz. Pode até parecer estereotipatização, mas ele consegue aliar muito bem as suas experiências como jornalista e uma sensibilidade até então dificilmente registrada.
Quando aceitou o convite para trabalhar em Angola, Fellet iniciou uma viagem pela África que teria desdobramentos tão inesperados quanto fantásticos. Deixando de lado o glamour do cobiçado circuito das capitais do chamado Primeiro Mundo (o eixo Nova York-Londres-Paris-Roma), ao optar pelo trajeto inverso, Fellet colocou em seu livro aspectos que trará para perto dos leitores um continente ainda desconhecido para a maioria.
Em Luanda, a capital angolana, ele testemunhou as vertiginosas transformações de um país que, rico em petróleo e diamantes, tenta se reconstruir após décadas de guerra civil ao mesmo tempo em que é pilhado por seus governantes. Um ano depois, inicia uma viagem pela África a bordo do meio de transporte mais comum no lugar — as vans, conhecidas em Angola como candongueiros, que dão título ao livro. Partindo da África do Sul, ele percorre o continente até seu outro extremo, o Egito, passando por grandes apuros e experiências sublimes.
No caminho, depara-se com uma emboscada no Sudão, tentativas de achaque em fronteiras e jornadas extenuantes por desertos ou estradas em péssimo estado. Mas também vivencia momentos memoráveis, como o passeio pela mítica Ilha de Moçambique, a carona num navio cargueiro pelo lago Vitória e a chegada a uma cidade sagrada na Etiópia junto de milhares de peregrinos.
Ao mesmo tempo, Fellet retrata a vida em sua expressão mais básica — a das ruas, a do interior das precárias moradias, a do desconforto a bordo dos candongueiros — e desfila em suas páginas a gente da África — entre muitos outros, o Pedrito, segurança em Angola que cantarolava para a filhinha morta; a Mgaya, orgulhosa possuidora de um celular numa aldeia na Tanzânia; o Roba Bulga, etíope que fugiu de casa para escapar do casamento. São todos contemplados com um olhar atento e afetuoso. E assim o leitor é presenteado com uma espécie de guia de viagem em forma de relatos fascinantes, ilustrado por fotos que marcaram sua jornada.
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Imagem: Reprodução
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