Quando as diferenças podem ser o próprio equilíbrio

O papo surgiu por telefone, com uma querida amiga, à distância física, mas sempre na presença afetiva. De repente, a mulher inteligente que ela é colocou a importância que tem um comportamento raro entre as pessoas: a capacidade de conviver.

Puxei mais, queria saber o que poderia ser assim considerado, num horizonte amplo. E desliguei certo de que se tratava de uma sábia posição diante do convívio humano, mas incerto sobre sua origem.

Essa capacidade é inata ou adquirida no curso do difícil processo de maturação? Não concluí até agora, ao escrever este texto (talvez vocês me ajudem: há tanta gente jovem que parece viver esse comportamento e tantos e tantos “adultos há mais tempo” que parecem incapazes de aprender o sentido da convivência.

Mas qual seria este sentido, em que se pode alicerçar a capacidade de conviver, a maestria de cruzar e intercalar atos numa ginástica interpessoal, fazendo-o um exercício admirável, uma dança leve e harmoniosa, dentro do movimento humano?

Acredito que capacidade de conviver não é só o esforço de tentar conhecer as pessoas dentro do possível, vai muito mais além. Trata-se de captar as diferenças fazendo-as o próprio equilíbrio, a plataforma de resultados, usando-as como parâmetro da própria complementação. É ter razoável tolerância com as falhas humanas sem cair naquela impaciência que tanto prejudica a auto-exigência. Que por sua vez faz decair a qualidade da relação, já que transigir é uma postura de inteligência.


Ainda, não perder os toques, as nuanças, os olhares, os apelos velados, enfim, as oportunidades de transmitir aos outros aquilo que eles tanto precisam numa determinada hora e momento, e que geralmente nos custa tão pouco. Daí a minha idéia de que a auto-valorização, a confiança daquilo que podemos ser, proporcionar, colaborar, é ponto relevante.

Quem não se valoriza, não se auto-estima, dificilmente conseguirá sentir-se alguém que pode em algum momento ou de alguma forma, complementar o outro. Sem vaidade e sem se colocar no zero, num patamar de anulação pessoal.

Outra coisa importante me parece ser a graduação e o tempo de convívio. Não banalizar atitudes, mas também não querer dar divinizações ao cotidiano, do tipo “te agradeço imensamente” ou “te serei grato por toda a minha vida”. E nem essa história de usar a três por dois um termo forte: “carismático”, porque alguém é simpático, cativante. Calma aí, não é preciso tanto.

Quanto ao tempo, estamos cansados de saber que essa pressa atual mata qualquer referência perceptiva, é um desastre para a avaliação do convívio.

Mas é preciso entender que somos ocidentais, vivemos uma era de agito e da expressão ativa, tudo se torna febril, muito mais rápido do que para nossos pais e avós. O ritmo mudou e prolongamentos desnecessários podem ficar insuportáveis, tediosos.

Puxa, de repente ficou dificílimo! Ou não? Será que acrescentando dois elementos indispensáveis – afeto e interesse – o trabalho não fica mais suave? Interesse pelo cofre de mistério que é o ser humano em sua complexidade, e afeto por toda a alegria e prazer que ele pode causar ao semelhante. Numa iluminação conjunta, que pode fazer desta vida às vezes tão clara e às vezes tão sombria, um brilho só.

Foto: Alessandra Przirembel Angeli © I Stop for Photographs