Uma aula de marketing e grandes vinhos
Se tivéssemos que escolher alguns benchmarks sobre o desenvolvimento de algum vinho como marca, sem dúvida a história do Brunello di Montlacino seria uma delas. Poucas vezes apreciadores de vinho recitam tanto sobre um vinho, sobre um conceito. Esse tinto toscano é desejo e sonho de consumo de muita gente, principalmente aqueles que já apreciam vinhos e que estão dispostos a desembolsar uma boa quantia de dinheiro. Por quê? A DOCG – Dominazione di Orgine Controllata i Garantita de Brunello di Montalcino é pequena (um total de 24.000 hectares demarcados) e suas regras rígidas de produção não permitem produzir a quantidade de vinho para atender toda a demanda. Com isso a equação fecha, ou seja, os preços sobem. Exatamente por causa da enorme demanda não existe um Brunello barato. Podemos afirmar que uma garrafa de Brunello di Montalcino é um luxury good.
Temos da grande Montalcino um vinho menos importante (e bem mais barato) e com normas menos rígidas de produção que é o Rosso di Montalcino. Como conceito, um Brunello é um vinho que é lançado no mercado cinco anos depois da safra, período que precisa estagiar em tonéis de carvalho e depois garrafa. Nesse momento o mercado americano aguarda o lançamento dos Brunello 2006, que a propósito são esperados com muita ansiedade pelos especialistas, pois a safra em questão foi espetacular em toda Toscana. Já o conceito do Rosso é mais simples, sendo lançado menos de dois anos depois da safra. Essa explanação esclarece que o Rosso é um vinho mais simples, mais leve e mais fácil de beber, enquanto o Brunello é um vinho mais complexo, intenso e encorpado.
Tanto Rosso quanto Brunelo são produzidos a partir da casta Sangiovese Grosso, um clone da Sangiovese encontrado nas cercanias de Montalcino. O único ponto que temos que ter atenção é em relação aos produtores. Isso quebra um pouco o paradigma de que todo Brunello é bom. Temos Brunellos espetaculares e alguns entre os mais renomados vinhos do mundo, mas temos outros sem expressão, às vezes de má qualidade.
Muita atenção ao produtor! Essa introdução é para nos situarmos sobre a fama mundial que esse vinho alcançou, mas na realidade se nos aprofundarmos para reconhecer o porquê dessa fama, vamos obrigatoriamente passar por uma empresa chamada Banfi. A companhia em questão foi fundada por um americano, nascido em 1895, em Connecticut, chamado Giovanni Mariani. Aos 9 anos, logo após a perda do pai, o ainda garoto Giovanni vai para a Itália com seus 5 irmãos. Lá tinha uma tia que era uma pessoa muito especial, Teobaldina Banfi. Ela foi a 1ª mulher a ser admitida no Vaticano e foi responsável pela cozinha e pela seleção dos vinhos que eram servidos para o Arcebispo Ratti, que se tornou o Papa Pio XI. Giovanni cresceu nesse ambiente e quando voltou da Europa para os Estados Unidos fundou, em Nova York, em 1919, uma empresa de importação de vinhos chamada Banfi Vintners. Giovanni deu esse nome a sua empresa em homenagem à querida tia Teobaldina.
Nos anos seguintes tivemos a Prohibition nos Estados Unidos e o jovem Givanni teve que encontrar alternativas para importação de produtos que não fossem vinhos. Focou sua energia em alimentos e especialidades italianas. Ao fim da Prohibition a empresa voltou a toda carga na importação de vinhos, atividade que perdura até hoje. A grande alavancagem da empresa se dá pela extraordinária visão de dois filhos de Giovanni, John e Harry, que na década de 70 adquiriram uma propriedade em Montalcino chamada Poggio Alle Mura, que depois foi rebatizada como Castelo Banfi.
A primeira safra de um Brunello Banfi foi a de 1978. A primeira safra vinificada nas instalações de hoje do Castello Banfi foi a de 1982.
Em 1984 a família inaugurou oficialmente a vinícola e o complexo Castello Banfi, que hoje tem um museu e um dos melhores hotéis da região.
Nos últimos 20 anos a família Banfi catapultou a fama do vinho Brunello di Montalcino como um grande vinho. A propósito, o Brunello sempre foi um bom vinho, mas o trabalho dos irmãos Mariani levou a marca Brunello para as alturas. Em novembro último, Olavo Maciel, proprietário da simpática loja de Vinhos Ville Du Vin, da Vila Nova Conceição, e Celso La Pastina, um dos sócios da importadora WorldWine, organizaram um jantar petit comitée na loja da Vila Nova Conceição para receber Enrico Viglierchio e Philippe Marconi, respectivamente CEO e Diretor de Exportação do Castello Banfi.
Os pratos cuidadosamente preparados pelo chef Duh Cabral foram harmonizados com os vinhos do Castello Banfi. Tivemos o delicioso Centine Bianco 2008, o muito agradável Rosso di Montalcino 2008, o impressionante Summus 2004, o espetacular Brunello Poggio Alle Mura 2004 e por último o exótico e delicioso branco doce, o Moscadello Florus 2005.
Vamos destacar os dois principais tintos que tivemos a oportunidade de provar e aprovar.
O Summus é um Super Toscano, termo derivado de mais uma invenção dos americanos. O termo Super Tuscan foi “inventado” pelos americanos para diferenciar os vinhos Toscanos elaborados com castas estrangeiras e que não são reconhecidas pelas DOC e DOCGs, notadamente vinhos da região elaborados pelas castas Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah, muitas vezes mescladas com a local Sangiovese.
O Summus 2004 foi elaborado com Cabernet Sauvignon (40%), Sangiovese (45%) e Syrah (15%).
Um tinto de lida cor rubi escuro, aromas deliciosos de frutas negras maduras com boa carga de madeira, tons lácteos, nuances de chocolate e um final especiado. Uma bela expressão das três castas que fazem muito sucesso na região. Um especial Super Toscano.
O Brunello di Montalcino Poggio Alle Mura 2004 estava fantástico.
Também bem escuro na taça. Boa densidade deixando lindos arcos na taça. Seu primeiro ataque no nariz é de pura elegância. Buquê complexo repleto de frutas maduras como framboesas e amoras entrelaçadas com uma excelente madeira. Gustativamente impressiona pelo equilíbrio. Raçudo, firme, encorpado e com muito estilo. Seus taninos são excelentes e seu final de boca é longo. Um grande Brunello.
Ah! No caso desses dois tintos, a safra ajudou muito. 2004 foi uma safra extraordinária na Toscana, produzindo vinhos com ótima estrutura e capazes de evoluir por muitos anos. Esses dois vinhos são tintos para longa guarda. O Summus estará evoluindo seguramente nos próximos oito anos, enquanto que o Brunello é vinho para mais quinze anos.___________________________________________________________________________________________