Fotógrafa registra a essência dos Carnavais do Brasil

Brasil dos carnavais ou carnavais do Brasil? Catherine Krulik escolheu a segunda forma para dar título ao livro de fotografias que lançou no último dia 25 de novembro, mas poderia ter optado também pela primeira, a julgar pelo belo retrato que a obra acaba traçando do país e não apenas da festa popular. Em edição caprichada, trilíngue, a obra Carnavais do Brasil, editada pela Grão Editora, reúne 150 imagens de manifestações carnavalescas país afora, síntese de um trabalho realizado em 15 anos de andanças e incontáveis cliques.

Catherine, nascida na França, educada na Espanha, formada em fotografia na Inglaterra e hoje radicada no Brasil, começou a registrar a festa em 1995, no carnaval de Ouro Preto. Em 1997, o projeto tomou forma ao som dos batuques de Olinda e Recife. E daí seguiram-se Rio, Zona da Mata de Pernambuco, São Luís, Salvador… e São Paulo.

Na edição do material, Catherine contou com a ajuda da também fotógrafa e designer gráfica Maristela Colucci. “Com extrema sensibilidade, Catherine conseguiu deixar de lado o clichê do ‘olhar estrangeiro’ e registrou nossos carnavais com alma brasileira. O resultado encantou a imprensa internacional e seu trabalho já estampou matérias e capas de revistas nos EUA, Europa e Ásia”, diz ela sobre as fotos de Krulik.

Em entrevista ao PPOW, Catherine, que já expôs “seus carnavais” em Paris, Vendome e Poitiers, durante o Ano do Brasil na França, e no Festival Internacional de Fotografia Art’Image d’Avignon, com projeção nos muros do Palais des Papes, além de colecionar participações e prêmios em festivais internacionais de fotografia, fala sobre a experiência do projeto e do livro que acaba de lançar.

O que você buscou registrar nos carnavais do Brasil?
As peculiaridades e diferenças que caracterizam cada um deles; e, ao mesmo tempo, o lado humano e colorido que os une.

Sob que aspecto dessas manifestações você focou o seu olhar de fotógrafa?
O denominador comum entre todos os carnavais foi, como já mencionei, o lado humanístico; olhar cada brincante como um ser único e como parte do conjunto. A grande maioria desta mostra são retratos; alguns estáticos, outros em plena ação do evento. O carnaval do Rio, mais especificamente o desfile das Escolas de Samba, me permitiu explorar duas linguagens fotográficas. Em certos momentos eu me concentrava no realismo mágico dos personagens, como mestre-sala, porta-bandeira, bateristas, destaques. Mesmo das alas e dos carros alegóricos. Em outros, eu me entregava à criação pictórica, a pintar com a câmera.

Essa visão se manteve a mesma ao longo dos 15 anos do projeto ou houve alteração de enfoque conforme o trabalho foi amadurecendo?
É impossível fotografar a maior festa popular do planeta, ao longo de mais de uma década, sem sofrer o impacto dessa experiência. Portanto, muita coisa mudou em mim e no próprio carnaval. Mas há algo, sim, que permaneceu constante: minha busca pelo lado humano da celebração. Claro que várias vivências foram amadurecendo o meu olhar, como me tornar mãe etc. Aliás, fotografei em plena Sapucaí com meu filho David no ventre. O fato de voltar à mesma cidade em anos diferentes foi uma necessidade de aprofundar alguns aspectos pouco explorados e assim complementar meu arquivo. O que está no livro Carnavais do Brasil é uma pequena mostra do meu acervo.

Em que consistiu a pesquisa  para esse trabalho?
Antes de ir à cidade ou vilarejo escolhido sempre faço uma pesquisa da história e dos costumes do lugar. Também procuro ver o que já foi fotografado. Mas não sou obsessiva. Tenho um lado intuitivo, e minha maior e principal fonte de informações é in loco. Quase sempre chego um mês antes para me situar e fazer contatos.  Entrevisto todo tipo de pessoas, sem a mais remota sombra de preconceitos. Falo com velhos, jovens, crianças, pobres, ricos, alegres e tristes. Esse tempo de preparação me permite conhecer com mais profundidade os aspectos que caracterizam aquele carnaval específico. Assim, na hora da festa, vou com um propósito já bem definido para os eventos que mais me interessam ou atraem.

Em que as suas múltiplas origens e influências culturais interferiram nesse trabalho, ou seja, em que momento ou aspecto elas se fazem presentes?
As culturas são diversas, mas a essência humana é única. Pelo menos é esta a minha crença. Desde pequena eu viajo por países diferentes, e minha casa era frequentada por pessoas de todos os continentes. Isso me permitiu desenvolver empatia e adaptabilidade nos mais diversos ambientes. Nunca me senti “uma estrangeira” fotografando no Brasil!

Depois de “mergulhar” no carnaval, diante do painel de diferentes manisfestações pelo país que você registrou em imagens, o que é essa festa para você, como você a interpreta em palavras?
Para mim, mergulhar na maior festa popular do mundo é como passear por dentro de um teatro de cores e personagens multifacetados. Sinto o carnaval como uma grande expressão plástica, um caleidoscópio humano, uma liturgia do êxtase, um festim para os sentidos. É um período no qual eu trabalho duro, mas admito que me divirto na mesma proporção.

Qual dos carnavais te atraiu mais?
É uma pergunta difícil de responder. Colocar minha preferência numa escala de medidas é quase impossível. Cada carnaval oferece suas peculiaridades, e há gosto para tudo. Tenho um xodó especial pela riqueza e variedade do carnaval pernambucano; e, sobretudo, pelo Maracatu Rural ou Maracatu de Baque-Solto, da Zona da Mata. Visitar, conviver, conversar com os artesãos, os presidentes, os caboclos de lança e de penas e os outros brincantes, foi não só uma experiência fotográfica fantástica, mas também existencial.

Você mora em São Paulo? O que acha desta cidade? Por que veio morar no Brasil?
Sim, moro em São Paulo desde 1992. Sampa é o coração econômico e cultural da América Latina. Aqui encontro de tudo: um amplo leque de nacionalidades e culturas que convivem e se misturam num mesmo espaço. Não é uma cidade fácil. Várias vezes pensei em sair daqui. Mas também é verdade que eu amo esta paulicéia desvairada, da qual faço parte! Por que vim morar no Brasil? É uma longa história. Mas para resumir, enquanto estudava fotografia em Londres, conheci parte da comunidade brasileira, e fui me encantando com a música e a língua brasileiras.

Por que o carnaval paulista foi o último a ser registrado?
Talvez por ser o mais próximo e acessível. Já que moro aqui, fui me acomodando e deixando para depois. Este ano eu disse “é agora ou nunca”! Já estávamos preparando o livro e eu percebi a lacuna: senti que era a ocasião de registrar o carnaval da maior cidade do país.

O livro significa a conclusão do projeto; você considera o tema esgotado?
O livro, com certeza, é a realização de um antigo sonho. Não considero o tema esgotado, e nem descarto a possibilidade de seguir registrando o carnaval de outros cantos desse imenso Brasil.

A que outros temas ou projetos você se dedica ou tem planos de realizar?
Eu amo fotografar a cultura popular, as festas pagãs e as manifestações religiosas. Estou envolvida agora com o registro das festas do Norte do país, tão pouco conhecidas e divulgadas aqui no Sul. Também tenho um trabalho de longos anos sobre a natureza.

FICHA TÉCNICA:
Livro: Carnavais do Brasil
Fotografia: Catherine Krulik
Textos: Marli Gonçalves
Páginas: 192
ISBN: 978-85-63313-07-2
Capa: dura
Formato: 31 X 28,5 cm
Preço: R$ 110,00

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