Dramático e inteligente, novo filme de Robert Zemeckis explora a perturbação psicológica diante da pressão da indústria do entretenimento.
Depois de anos fazendo animações com a técnica da captura de movimentos, Robert Zemeckis (o diretor de filmes como De Volta Para o Futuro e Náufrago) volta aos cinemas com O Voo (Flight, EUA, 2012), um drama repleto de discretas nuances e que discute um tema bem importante da atualidade: os vícios e os excessos.
A história, escrita por John Gatins (mesmo roteirista de Gigantes de Aço e Coach Carter – Treino Para a Vida), acompanha o piloto de avião Whip Whitaker (Denzel Washington, como sempre excelente), que salva a grande maioria dos passageiros depois que o avião que pilotava apresenta problemas técnicos, fazendo uma aterrissagem impossível.
O grande problema começa quando descobrem que ele estava alcoolizado e sob o efeito de drogas durante o voo, podendo ter sido essa a causa do acidente. Ao mesmo tempo em que luta com a culpa (já que sua amante morreu na queda do avião), com a necessidade de ficar sóbrio e com a repercussão do acidente, Whip se envolve com Nicole (Kelly Reilly), uma mulher também viciada em drogas e que precisa encontrar o seu verdadeiro norte para se livrar do vício.
Juntos, eles acabam se ajudando; porém, o filme caminha para um argumento diferente, não sendo apenas uma história de superação. Nicole tem objetivos de se livrar do vício; ela é uma mulher que precisa encontrar algo que precise amparar, e depois de uma overdose, veja que é hora de parar. Com Whip não é assim: belamente construído por Washington (que inclusive foi indicado ao Oscar este ano), o personagem se vê perdido em meio aos vários sentimentos que cultiva depois do acidente.
Foi realmente culpa dele? Se ele estivesse limpo poderia ter salvo mais pessoas? Como se livrar desse vício?
Ao longo da narrativa, chega a ser chocante o modo como Whip se porta diante dos insistentes pedidos de seu amigo e antigo parceiro Charlie Anderson (Bruce Greenwood) e do advogado Hugh Lang (Don Cheadle) de ficar longe das bebidas e das drogas. Mas, psicologicamente instável, ele não pensa duas vezes em arrebentar o quarto de um hotel, por exemplo, e ficar bêbado antes da sua audiência.
Com um comportamento de estrela rock and roll, Whip vai se tornando autodestrutivo e afastando aqueles que querem ajuda-lo – e, numa crise de consciência, percebe que isso precisa acabar. Mas, até que esses momento ocorra, uma longa jornada vai ser percorrida pelo personagem.
O grande mérito de O Voo é justamente explorar esse transtorno e o modo como Whip faz a sua trajetória. Assim como O Lado Bom da Vida preferiu ir por um caminho mais cômico para tratar dos problemas das doenças mentais, o roteiro de Gatins vai para um lado mais sombrio e triste ao trabalhar os vícios e transtornos psicológicos diante dessa problemática.
Lento mas instigante, o filme se constrói basicamente pela interpretação de seu casal de protagonistas, interpretados por Washington e Reilly: afiados, eles colocam para fora aquele lado obscuro e depressivo, e fazem personagens que precisam se reerguer custe o que custar.
Bem emocionante e intrigante, O Voo é um filme que merece ser conferido por justamente saber como trabalhar esses problemas e por ser algo diferente do que estamos acostumados a ver. Além dessa questão das drogas e da bebida, ele também consegue explorar a indústria do espetáculo, já que a pressão realizada pela imprensa faz com que Whip chegue ao seu limite e ele acaba se rendendo aos vícios, a forma mais fácil de escapar de todo esse tumulto em cima de um erro seu.
Imperdível, O Voo é uma excelente exploração do trauma psicológico diante de um momento de pressão, e uma metáfora sobre a indústria do entretenimento e dos excessos fornecidos por ela.