Livro aprofunda aspecto pessoal de Carlos Drummond de Andrade com troca de cartas entre o poeta e o autor Cyro dos Anjos

Em comemoração aos 110 anos do nascimento de Carlos Drummond de Andrade, além de Os Sapatos de Orfeu, a editora Biblioteca Azul também lança o livro Cyro & Drummond (organização de Wander Melo Miranda e Roberto Said; 328 páginas, R$ 49,90), um livro que mostra um lado desconhecido do poeta e de Cyro dos Anjos.

Aqui, conhecemos o Carlos antes de ser Drummond, ainda poeta estreante, e o Cyro antes de ter publicado O Amanuense Belmiro. Aqui, temos o Carlos funcionário público, já poeta prolífico, pai, marido e crítico espirituoso, e o Cyro memorialista, viajante e também não menos crítico.

No livro, intimidades, trajetórias muito particulares, andanças profissionais e o lado menos óbvio e conhecido dos dois escritores são revelados capítulo a capítulo – na verdade, carta a carta, já que o livro é uma coletânea de correspondências entre os dois autores.

Cyro & Drummond foi lançada na Flip deste ano, em que o poeta era o escritor homenageado. A obra reúne documentos originais da Fundação Casa de Rui Barbosa e do Acervo de Escritores Mineiros, da Universidade Federal de Minas Gerais, e constrói sua história a partir de cartas, bilhetes, postais e telegramas que expõem abertamente, como numa conversa de confidentes, as angústias dos escritores diante do destino incerto reservado aos que se arriscam à carreira literária em um país periférico.

Além disso, o livro também mostra as estratégias e percalços experimentados no serviço público e outros momentos particulares da vida dos dois, não deixando de fora as agitações políticas de um período pautado pelo acirramento do debate ideológico e das efervescências no Brasil e no Mundo: Estado Novo, Segunda Guerra Mundial e Modernismo. Suas vidas e suas cartas são atravessadas pelo fervor e, sobretudo, pela incongruência de tempos revolucionários.

Cyro & Drummond deixa claro a intimidade de ambos, fato que permite que opinem sobre outros autores, como Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos. Também nota-se como Drummond era um leitor voraz, emitindo sem rodeios juízos de valor sobre o que se produzida a seu redor. Ele assume um papel de crítico ferino dos regionalistas, estabelecendo as linhas divisórias de suas preferências e de suas antipatias literárias.

O livro também explora a reflexão artística e metalinguística quando Drummond adentra neste terreno, dando um ensejo ao debate político, como desabafa o próprio Drummond: “Nascemos todos incapazes para a política, mas fadados a sofrer no lombo suas transformações”.

Nos textos, aparecem também as inquietações típicas de uma geração rural, que se casou cedo, mas que passou a vida em um contexto urbano de progressiva abertura e liberdade. Não apenas os projetos e impasses pessoais, mas da literatura de ambos, aquela produzida na esteira dos diversos modernismos brasileiros em meados do século 20 – e é precisamente nesse campo que a publicação das cartas faz sentido para além do simples voyeurismo.

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