Faltam hoje os ritos de passagem, a celebração de cada etapa da existência
Eu sou de um tempo em que os garotos até os 12 anos de idade, mais ou menos, usavam calças curtas e isso era um símbolo da infância, um estágio que fazia parte do ainda não estar pronto para entender certas coisas, compromissar-se com outras e assumir umas tantas.
Como todos os meninos daquela época, eu sonhava com o dia em que, finalmente, meus pais me entronizariam nas calças compridas, o que foi feito de forma solene e carinhosa, compradas que foram nas Casas Teixeira, no térreo do antigo Parque Balneário. Os pêlos da adolescência já teimavam em crescer nas pernas e eu morria de vergonha até que as tive cobertas.
A primeira saída de calças longas foi para visitar minha avó Marie. Que também entrou no clima solene e me deu um abraço longo e um beijo, dizendo “agora você é um mocinho, precisa se comportar como tal”. E, naquele dia, ganhei em comemoração, os seus maravilhosos bolinhos de banana.
Dia desses, lendo sobre a cerimônia hinduísta na roda Sansara, quando o menino, toma consciência de que ultrapassou o mineral, o animal, o vegetal e agora, ganhou a forma hominal e deve honrá-la para chegar ao espiritual, lembrei-me do meu estádio de passagem das calças curtas para as compridas. Na cerimônia oriental, o membro mais velho da família, formando a roda, diz alto para o garoto “recebeste a honra de ter nascido humano nesta encarnação; agora lhe cabe honrar essa forma para não regredir e poder atingir o espiritual”.
Meus pais não foram tão solenes, apenas me olharam com o mais profundo amor e carinho quando sai de meu quarto com as tais calças compridas, marca do meu primeiro passo em relação à vida adulta. E naquele momento diante do olhar dos dois, prometi a mim mesmo que iria lutar para honrá-los, para que não se decepcionassem por tudo o que fizeram por mim. Creio, sem querer julgar, mas talvez já o fazendo que foi isso o que faltou para aqueles garotões que tempos atrás surraram a empregada Sirlei, no Rio e tantos outros que cometem barbaridades inexplicáveis no início da juventude, quando a vida lhes oferece uma grande festa.
Faltam hoje esses ritos de passagem, as cerimônias de celebração de cada etapa da existência e principalmente, a consciência de que temos que honrar a nossa condição de humanos. Hoje, estar “de calças curtas” é outra coisa, é ser pego de surpresa, é estar desprevenido. Mas no fundo é a mesma coisa dos pré-adolescentes dos anos 60: o despreparo para a vida. Que nos tornava humildes, românticos, esperançosos. Ah, a esperança…como deve ter faltado àqueles meninos do Rio.
Imagem: Amedeo Modigliani, “Menino de Calça Curta”, óleo sobre tela, 1918