Distinguir cada um mostra o que somos e o que queremos ser
É comum que a gente confunda, principalmente diante do aturdimento, alguns diferentes estados de espírito. Como a tristeza, a melancolia, a nostalgia e o saudosismo, este, quase uma postura, mas que traz também um estado. Tanto a tristeza quanto a melancolia contém em si o sentimento de perda. A diferença é a consciência, a clareza do objeto perdido.
Quando estamos tristes, esse objeto é específico, sabemos o porquê: a partida de uma pessoa amada, a ausência, o abandono. Na melancolia, não. Sentimos falta, sim, percebemos um vácuo, o imenso vazio, mas não sabemos exatamente do que. A saudade não tem forma e nem figura e muitas vezes sentimos por nós mesmos, por aquilo que não fomos e que poderíamos ter sido. Traz o amargor de ter perdido tempo, do deixar passar, de uma ausência indeterminada.
O remorso também traz melancolia, assim como a impotência e a omissão. Já a nostalgia é deliciosa: uma lembrança daquilo que se viveu, a saudade gostosa de um tempo, a revivência de um momento ou de uma circunstância. Quando estamos nostálgicos, os quadros da infância e da adolescência voltam fortes e trazem miragens lindas do que se viveu, ainda que algo tolde nossa fisionomia e nosso olhar naqueles momentos.
Há uma diferença sutil, mas importante de destacar entre nostalgia e saudosismo. Neste, se valoriza mais o passado do que o presente; há uma vontade enorme de que algo voltasse e se acha que tudo era muito melhor antes. Enquanto nostálgicos, evocamos, no saudosismo, queremos resgatar. É claro, não?
Lembra-me muito Fernando Pessoa ao corresponder-se com uma sua tia idosa que falava no casarão da família, nas louças, nas comidas, falando o quanto tudo era melhor e mais bonito. E ele responde “nunca senti saudades da infância, do que foi vivido. Foi bem vivido e ficou para trás. Não sou portanto, um saudosista. Não sinto saudades do tempo, mas das pessoas dentro do tempo. Elas, sim, eu queria de volta. Queria-as vivas hoje com a idade que hoje tivessem se até hoje tivessem vivido”.
Eis porque a melancolia é a tristeza pelo que não se fez e a nostalgia, a deliciosa lembrança daquilo que foi lindamente vivido. É legal a gente diferenciar e perceber quando algum desses estados nos envolve e mostra o que estamos sentindo naquela hora. O nosso ser interno sabe o porquê de estar passando por aquilo, embora nós nem sempre saibamos os porquês. O mais importante é não enganar o vazio, não fingir que é luz quando é sombra.
Distinguir o que é totalmente insignificante daquilo que traz a força de uma significância que é só nossa. É assim que formamos uma história relativamente lúcida e coerente sobre quem somos e o que pretendemos ser.
Fotos: Ivone Santos © I stop for photographs