Reciprocidade e reversibilidade mantêm a relação saudável
Em comportamento usa-se uma simbologia para mostrar o cuidado que devemos ter num relacionamento próximo com os abusos, as solicitações absurdas de uma das partes à outra, que acabam extrapolando, quando há um excesso perigoso.
Gosto muito da alegoria do elástico e do barbante. Digamos que em nossas mãos existe um cordão esticado que significa uma oferta de ajuda ao outro. Este, ao olhá-lo, só consegue ver um barbante cujo comprimento poderá cobrir uma necessidade sua. Só nós que o seguramos sabemos tratar-se de um elástico que pode ser esticado de acordo com a situação e a necessidade.
A tentação de esticar em nome de atender o que uma pessoa amada precisa é grande. Não só em nome de agradá-la como também pela humana tentação de um julgamento de onipotência. Que pode ultrapassar o bom senso de saber quando parar.
Até que se estabelece um jogo perigoso e ao mesmo tempo fascinante entre marido e mulher, mãe e filho. Um vendo a cobertura como demonstração de amor e querendo sempre mais e, o outro, achando-se o máximo e atribuindo a si mesmo o exercício da doação que se reflete quase em divindade.
É por duelos desse tipo que se diz que os opostos se atraem. Dia desses, inclusive, o psiquiatra e terapeuta Flávio Gikovate fez uma consideração importante a respeito, numa alusão ao filósofo Nietzsche e aos juízos de valor: “a maior parte dos casais é formada por um considerado egoísta e outro, generoso”.
O egoísta quer receber muito e dar pouco, levar vantagem em tudo e não admite frustrações; já o generoso dá muito mais do que recebe e pensa no outro antes de si. Inclusive para não lidar com culpas. Parece que se estabelece aí um casal perfeito, não? Com certeza, não, “porque um reforça a pior parte da alma do outro”, como afirma Gikovate, e isso nunca é bom. Porque, numa hora ou outra, se dá a vitimidade ou a exaustão.
O melhor mesmo é se perceber os excessos e partir para um justo encontro de interesses, em que duas pessoas autoestimadas sabem que seu primeiro compromisso é com o próprio Eu, sem jamais descuidar dos anseios do outro; uma relação em que nada se deve e tudo se valoriza elegendo o convívio como o belo cenário da individuação que conhece o seu caminho.
Onde existe reciprocidade e reversibilidade, ou seja, elástico e barbante se revezando em ambos, ao invés de ser sacrifício ou peso, isso torna-se uma doce oferta de possibilidades.
Como é bom saber que o nosso parceiro ou parceira estica o elástico para nos atender quando precisamos, assim como nós usamos da nossa elasticidade, não para dar retorno, mas também para contribuir para seu desenvolvimento e evolução.
Aí, duelos e jogos dão lugar ao entendimento de que o amor é feito não para reforçar o pior, mas para um ajudar o outro a ser melhor.