“A culpa é do pai que não soube educar”, “coitado daquele pai não merecia passar por isso”, “aquele garoto nunca foi compreendido”, “a filha não soube dar valor a tudo o que recebeu”.
Frases ouvidas aqui e ali, entre muitas outras nessa mesma referência, nos desencontros entre pais e filhos. Nos considerados desmandos paternos ou nos classificados abusos ou absurdos praticados pelos filhos e que um ponto além dos julgamentos comuns e prosaicos de uma sociedade, tornaram-se material farto para a neurologia do comportamento ao analisar os mistérios dessa relação tão íntima quanto complexa, entre a figura patriarcal e a prole.
Digo pelo menos, por que concordo com o velho Freud que pai (e mãe, claro) a gente carrega conosco do nascimento ao túmulo. A herança é muito forte, a co-dependência – e não a frágil dependência – nos segue (ou persegue?) para sempre.
As boas lembranças, os ensinamentos preciosos, a força do carinho, aquele amor incondicional, também.
Mas há muitas discussões a respeito e sempre haverá, principalmente hoje diante da onda de determinismo genético. Pais de jovens que cometem crimes são acusados, assim como os progenitores de deficientes e autistas, apontados como frios e distantes nos primeiros contatos. Não é um absurdo sem tamanho?
Há um velho ditado que diz que “a maçã não cai longe da árvore”, mas vemos todos os dias, filhos que em nada se parecem com os pais e que nessa diferença, seja de qual ordem for, desafiam o afeto livre.
Sempre digo e percebo o incomodo em certos pais, que amar o certinho é fácil! Amar aquele filho que corresponde a todas as expectativas e sonhos, que realizou quase o que os pais esperavam dele, que se tornou o seu selo de garantia na boa criação, é banal. Quero ver é amar do jeito que são, na fuga do estabelecido. Chamando atenção para um ponto fundamental em comportamento humano: ser amado não é igual a ser aceito.
Aliás, implico com a palavra “aceitação”, principalmente nesses casos. Não aceitar é fazer o que, se o aval não é o ponto-chave a seguir ou impedir? Quem não aceita, perde e aí está o vício, a suspeita da atitude.
Um filme nacional excelente, “A Busca” mostra bem isso. O filho adolescente foge depois da separação dos pais, tentando, quem sabe, achar seus próprios caminhos; leva o pai ao desespero e ao drama monumental da culpa, inevitável na relação quando algo não dá certo.
Que arte é, portanto, ser pai e ser filho. Arte que inclui dúvidas tormentos, revoltas e alegrias, claro. Um duelo bravo em sendo o pai consciente e o filho, lúcido entre a miragem do perfeito legado a ser deixado e a permanência ao lado para sempre e ensaio da troca, entre abandonos e erros, dedicação e moldagens, entre falhas e entregas.
Arte e duelo que também podem ser chamados de amor.