Novo filme 360 de Fernando Meirelles aborda de forma sensível os relacionamentos humanos
Uma moça que vira garota de programa para garantir a sua independência financeira. A família que se desintegra quando o marido que busca uma prostituta e a esposa tem um amante. O muçulmano apaixonado por uma mulher casada e que fica dividido entre o que a religião dita e o que ele deseja. O cara que acaba de cumprir pena por abuso sexual e se vê preso em um aeroporto onde a tentação começa a corrompe-lo. Um pai que busca o paradeiro da filha e se conecta de uma maneira impensável com uma jovem que está voltando para casa.
Todas essas histórias se interconectam de forma passageira e cíclica no drama 360 (Brasil/Reino Unido/Áustria/França, 2011), a nova empreitada internacional de Fernando Meirelles, que trata justamente da globalização de sentimentos, relacionamentos e a existência do ser humano.
Depois do sucesso global conquistado com Cidade de Deus, o paulista foi convidado para dirigir a adaptação de O Jardineiro Fiel, se saindo muito bem e vencendo diversos prêmios. Em 2008, ele lança a transposição para as telas de Ensaio sobre a Cegueira, obra clássica e complicadíssima de José Saramago, mas já não com todo o frescor de seus dois outros filmes.
Com este novo trabalho, Meirelles volta à forma de maneira espetacular e criativa, já que não presenciamos um filme convencional: aqui, o passado e o futuro dos personagens não interessam, mas sim o momento presente, onde os problemas, dúvidas, desejos e arrependimentos de cada uma dessas figuras é o mote para o jogo de encontros e desencontros global.
O roteiro escrito pelo oscarizado Peter Morgan – e baseado na peça Der Reigen [A Ronda] escrita em 1897 pelo austríaco Arthur Schnitzler – conta uma série de histórias que possuem a mesma temática: os relacionamentos humanos. Casamento, namoro, família e vida são alguns dos pontos explorados pelo texto, que ainda brinca com uma variedade de sentimentos, dores e dúvidas de uma maneira inteligente, concisa e diferente.
Se você pega, por exemplo, a história de Zina, interpretado pelo ótimo James Debbouze, percebe a sensibilidade com que a sua parte foi desenvolvida ao explorar alguns aspectos da civilização moderna: no caso, o personagem é muçulmano e está apaixonado pela sua assistente, uma mulher casada com o guarda-costas de um mafioso russo. O desencadeamento dessa história é tão bom e desenvolvido de maneira crítica, fazendo com que, com esses pequenos detalhes, o filme se destaque.
A partir disso, o filme 360 se desenvolve a partir de várias particularidades que o torna diferente do que estamos acostumados a ver. Contando com um elenco que contém nomes como Anthony Hopkins, Rachel Weisz, Jude Law, Ben Foster, os brasileiros como Maria Flor e Juliano Cazarré e artistas de vários países como Dinara Drukarova (Rússia), o já citado Debbouze (França), Gabriela Marcinkova (Tchecoslováquia), Lucia Siposova (Tchecoslováquia) e Vladimir Vdovichenkov (Rússia), Meirelles consegue tirar o melhor de cada um desse grupo, seja com um simples olhar ou um trejeito – e são esses pequenos momentos que engrandecem a obra.
A música tem um papel fundamental em cada uma das histórias, regendo o drama, o romance, os pensamentos e as conversas a partir de canções que remetem à nacionalidade de cada um. É uma coletânea internacional de primeiro nível, que tira o filme do clichê chato e bobo das músicas pop e faz uma escolha mais clássica e de qualidade.
Também é digna de comentário a fotografia de Adriano Goldman, que imprime em cada uma das cidades que aparecem no filme (Viena, Paris, Londres, Bratislava, Rio, Denver e Phoenix, dando um ar bem globalizado à obra) uma especificidade em termos de cor e figurino em função da história desenvolvida lá: por exemplo, Londres (como sempre) é retratada de maneira mais fria e intimista; Denver, por mais que esteja debaixo de uma tempestade de neve, ganha cores um pouco mais fortes por causa da história de Laura (Maria Flor). A grande sacada é numa fazer uma supersaturação das cores, deixando um ar bem mais realista à produção.
Mas o destaque mesmo fica para a edição genial de Daniel Rezende: ele sabe como transitar entre uma cena e outra, um cenário e outro ou unir conversas e ações distintas de uma maneira genial. Por exemplo, tem uma parte em que Zina está andando em um aeroporto, e, à medida que a câmera segue um avião, vai passando por outros personagens do filme que se encontram num local semelhante. O modo como as tramas se unem ou as ações simultâneas que ocorrem também são colocadas na tela e mostra muito bem esse trabalho. Quem já está acostumado com os outros filmes de Meirelles sabe do que estou falando, já que ele sempre prefere uma edição acelerada e repleta de cortes e transições rápidas.
O filme 360 ganha muitos pontos por não querer ser mais do que já é: é um filme bem interessante por não fazer questão de aprofundar em nada os personagens, conseguindo se manter firme com essa “superficialidade”, e prende a atenção do público justamente por ser capaz de saber brincar com esses pequenos detalhes.
No final, fica a sensação de que vimos uma obra sobre as nossas dúvidas, medos, anseios e desejos, afinal 360 é um filme sobre romances e relacionamentos e também sobre a vida. Aqui, a gente percebe que tudo e todos estão conectados, de maneira quase imperceptível, mas certa de que minha ação gera uma reação a outra pessoa. Como Laura escreve a John num bilhete:
“Eu saí com uma pessoa legal. Nunca fiz esse tipo de coisa antes. Mas só se vive uma vez. Quantas chances teremos?”
E o que fica é justamente isso: quantas chances (ou oportunidades) teremos para vivermos de verdade?