Maravilhoso é o ser que não teme a própria estranheza
Noto o quanto algumas pessoas ficam preocupadas em parecerem “normais”, palavra muito perigosa e que quase não utilizo, partindo daquele velho e repisado questionamento: o que é normal e quem o é? De que padrão podemos partir para afirmar isso em relação ao homem em todas as áreas?
Normal seria seguir todas as regras estabelecidas pelas autoridades nos assuntos referentes ou adotar todas as posturas e atitudes bem aceitas pela sociedade de forma a jamais transgredir? Ou comportar-se de acordo com os preceitos científicos e as chamadas ordens naturais das coisas? Mas se tudo muda tanto, se os parâmetros são tão discutíveis, se o que era certo antes deixou de ser e que era verdadeiro hoje é questionável, basear-se em que para conceituar normalidade?
Ainda assim são muitos os que vivem em busca desses padrões, nem tanto por fascínio à retidão, mas por medo dos desafios e dos duelos e, principalmente, para não enfrentar críticas ou riscos de não ser aceito por fugir ao “certinho”.
O que pode ser irrisório em termos de não infringir pequenas regras de convívio, mas que se agiganta quando em nome da obsessão do ser normal, a pessoa fugir de suas estranhezas ou presumíveis incoerências, de suas incompreensões e fantasmas por medo de julgar a si mesmo um absurdo.
Conheço tantos e tantos que não conseguem suportar a ideia tão saudável de que possui elementos que não domine e assim preferem negar-se para não ter que pensar, o que poderia balançar a couraça de “bonzinho” ou duvidar da enganadora frase do “eu me conheço muito bem”.
Ignoram que o “homem absurdo” de que fala o filósofo alemão Martin Heidegger é o mais lúcido, porque ao menos desconfia de que pode não ser aquilo que pensa e assume o “eu que eu sou e desconheço que sou”, ao invés de só admitir e conviver com o “eu que eu penso que sou”.
Aquele homem que tomou consciência de que a única saída verdadeiramente digna é afirmar o seu destino de desbravador de si mesmo contra o silêncio enganador do mundo sobre isso e a falta de sentido disfarçada de ocupações materiais e gozos rápidos. Por isso é que são gozos e não felicidade.
Sem assumir seus admiráveis absurdos, as pessoas permanecem vendo o mundo como uma aparência, um jogo bobo e fútil; no máximo, um quadro, até que tenham decidido o que fazer.
Justamente porque Ele, o mestre maior, o sábio criador do Universo, não nos mandou com manual de instruções e nem determinou que seríamos obrigados a seguir apenas as imposições alheias. Apenas nos deu os instrumentos.
Maravilhoso homem do absurdo que não teme a própria estranheza.