Adaptação de peça musical é belamente construída, mas ambiciosa demais
Os Miseráveis (Les Misérables, EUA/Inglaterra, 2012) é a adaptação de um livro publicado por Victor Hugo em 1862 e transformado em peça de teatro em 1980 por Claude-Michel Schönberg e com libreto de Alain Boublil e Herbert Kretzmer. O filme tinha tudo para dar certo: grande elenco, ótima produção e ambição demais.
Até que finalmente pude ver o filme e… Foi meio decepcionante.
Dirigido por Tom Hooper, o musical conta a história de Jean Valjean (Hugh Jackman), um homem que, por ter roubado um pedaço de pão, passa 20 anos preso. Prestes a ser libertado, ele é meio que marcado por Inspetor Javert (Russel Crowe), e, num momento de redenção, Valjean some e recomeça a vida como um homem caridoso, numa época em que a França vivia um problema de séria desigualdade social e os operários dependiam demais do dinheiro do “final do dia”.
Ao mesmo tempo em que acompanhamos Valjean pelo tempo, conhecemos Fantine (Anne Hathaway), uma mulher que engravidou e precisa do dinheiro do “final do dia” para sustentar a filha, Cosette (Isabelle Allen quando criança e Amanda Seyfried quando mais velha), que vive com um casal de estaleiros (Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter). Só que Fantine é demitida da fábrica dirigida por Valjean e vira uma prostituta – e o destino dos dois se cruzam, assim como a perseguição entre Javert e o ex-prisioneiro 24601.
Valjean vira o pai que Cosette nunca teve, protegendo-a do mundo e fugindo de Javert; e, enquanto ela cresce, o movimento revolucionário se torna mais forte com os estudantes. Inspirados pela Revolução Francesa, eles procuram modificar a situação econômica da maioria dos habitantes das cidades e da evidente desigualdade com a monarquia.
E a história ganha sua força quando Cosette se apaixona por um dos revolucionários, Marius (Eddie Redmayne) – e o destino de Valjean é escrito nesse clímax explosivo.
Até aí, o filme ganha pontos: as letras são fortes, algumas divertidas, outras inspiradoras e hinos para uma revolução; a história se constrói pelas músicas, e, cinematograficamente falando, o filme é muito bem realizado, com uma fotografia melancólica, uma reconstituição excelente de época e uma urgência no drama e nas dores dos personagens da história.
A grande insatisfação é com a falta de profundidade dos personagens – belamente interpretados, eles são apenas alguns peões que foram retirados do tabuleiro e colocados para cantar. Tem hora que isso fica ótimo – como na sequência em que Helena e Sacha cantam Master of the House -, mas tem hora que a música não se faz necessária, e um diálogo seria bem melhor para a construção dramática da cena, e aí o filme fica parecendo um novelão com choros, mortes e resoluções muito rápidas dos conflitos apresentados.
Parando para refletir, o saldo final de Os Miseráveis é mais positivo do que negativo: toda aquela parte cinematográfica é perfeita – fotografia, edição, som -, todos os atores estão ótimos (e, sim, Anne Hathaway, nos pouco mais de 10 minutos que está em tela, rouba a cena), e a direção de Hooper é bem mais revigorante e confiante, mesmo se perdendo naqueles momentos já comentados nos parágrafos acima. Além disso, a trilha sonora é linda, e a ousadia do diretor de fazer com que os atores cantassem nas filmagens cria uma sonoridade bem diferente e bem mais emotiva.
Ao término das mais de 2 horas e meia de duração, o filme deixa a desejar, mas encanta pela força revolucionária, beleza cinematográfica e sensibilidade dramática – e pelo apelo eterno da história de Victor Hugo, onde o amor, a o sonho, a esperança e a luta movem e modificam o espírito corrompido de uma pessoa.