Livro explora a vida de Carlos Drummond de Andrade e destrincha as ambiguidades do poeta e seu tempo
A história de muitos poetas pode não ser interessante para um pessoal mais jovem. Esse tipo de literatura é meio que “obrigatória” para vestibulares e para entendermos a evolução dos estilos literários e daquele blábláblá que é dito na escola.
Eu recebi o livro Os Sapatos de Orfeu (Editora Biblioteca Azul, 338 páginas, R$ 45,00) meio que sem querer, e me esqueci dele. Quando vi que ainda não o havia resenhado, pensei duas vezes antes de começar a ler. E, acho que deveria pedir perdão a Carlos Drummond de Andrade por ser tão “preconceituoso” com sua história.
Escrito pelo jornalista José Maria Cançado, Os Sapatos de Orfeu busca reconstituir por meio do mapeamento biográfico de Drummond, a socialização de uma época e de uma cultura, iluminando não apenas a trajetória do poeta, mas a de muitos companheiros de sua geração e das que se seguiram.
O livro, restrito a um público, é delicioso. Com escrita fluente e sedutora, Cançado divide seu relato em três grandes partes: a primeira cobre o período de 1886 a 1930, percorrendo os anos de formação do poeta. A segunda, de 1930 a 1950, reconstitui as relações profissionais e políticas de Drummond paralelamente à publicação de seus primeiros livros. A terceira se estende de 1950 a 1987, ano em que morreu, privilegiando o trabalho da memória em sua obra poética.
O trabalho de Cançado para capturar a biografia de um homem que sempre fez questão de manter sua vida íntima longe da sua vida pública foi cansativo. A partir dos próprios poemas de Drummond, ele pinçou os motes possíveis para o descortino de uma vida, sem cair em qualquer reducionismo que tornasse a biografia do poeta uma decorrência necessária de seus textos, ou vice-versa.
Trata-se, na realidade, de a ideia difícil e arriscada, mas, como resultado final, o qual o autor se sai muito bem, evitando explicações simplistas e mantendo a natureza enigmática sempre irredutível da vida e da obra de qualquer homem. Vale ressaltar a reconstrução cuidadosa da vida afetiva e sexual de Drummond, aspecto que é coberto em toda sua existência, sem qualquer traço de sensacionalismo gratuito. Por fim, as ambiguidades políticas e Drummond e de seu tempo também são exploradas no livro, assim como seu envolvimento com o Partido Comunista na década de 1940 e com a vida literária do país.
Os Sapatos de Orfeu vale como um livro para os fãs e estudiosos – mas também, para aqueles que querem entender ou reconhecer a importância de Drummond na história da literatura brasileira e como a sua vida influenciou a sua escrita.
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