Atenção às transições que podem dar respostas a dúvidas e fragilidades
Passagens…o termo usado em comportamentalismo para aqueles momentos da nossa vida que marcaram de forma acentuada o entendimento existencial, que registraram cenas fortes e tão importantes, que depois delas nunca mais fomos os mesmos. Não só pelo impacto ou pelo inusitado da coisa, mas por terem causado mutações sérias, alteração nos nossos ritmos espontâneos e levado a questionamentos duros e profundos que geralmente desembocam em crises.
As passagens são fontes preciosas de reavaliação. Pena que muitos e muitos as percam em nome do tempo perdido com o prosaico que afoga a percepção e a sensibilidade, ou da obsessão de querer fazer da existência um inócuo quadro de falsa felicidade, de um ridículo e alienado “está tudo bem sempre”. Ou pior: da insistência que tantos mantêm de querer considerar o ser humano uma figura simples, sem nuanças, desprovida de qualquer grandeza ou complexidade. Que só veio ao mundo para comer, dormir, trabalhar, casar, criar filhos e netos e morrer em brancas nuvens, em repousos pálidos e obscuros.
Ao não perceberem as passagens, as pessoas deixam de viver o mais importante e o que pode dar as respostas às dúvidas e fragilidades. Sem passagens, estar aqui se tornaria de um determinismo sem lógica, de uma parada sem objetivo, de um efeito sem causa, enfim, de uma bobagem absoluta que jamais compensaria as dores encontradas, os sofrimentos havidos, as angústias repassadas. Como diz bem a poeta inglesa Emily Dickinson: “A nossa vida não é a viagem de trem, mas algumas estações. Que quando o trem parou, nos chamaram a atenção. De tal forma que ao deixarmos a plataforma olhamos para trás e sentimos a importância da parada. São elas que justificam a exaustiva viagem. Senão, é só cansaço e poeira”.
Uma das passagens mais complexas é aquela marcada pelo fim da moratória psicossocial, a liberdade de ser sem responsabilidades. Estar na moratória é ser um recém-formado que pede ajuda a um profissional experiente, uma jovem mãe que pergunta à avó como tratar o bebê, o viajante que pede informações de um lugar novo.
Enquanto crianças e adolescentes, temos a companhia de uma espécie de “Pai Fantasma”, que reúne as vozes dos pais biológicos, dos professores, das autoridades e que fala dentro de nós numa linguagem que é um misto de bom senso, proteção, medo e cuidado. Ele está sempre com frases assim: “Lembra do que a sua mãe falou?”, “É perigoso ir mais fundo”, “Eu não disse?”.
Quando adultos, o trocamos pelo “Grande Vigia”, quando não há mais perdão ou justificativa. E aí surge uma incoerência: lutamos tanto pela independência, pelo prazer de fazer apenas aquilo que queríamos, pela possibilidade de autodecisão, pela auto-imagem livre e, de repente, nos sentimos tão vazios e melancólicos diante de um “Você é quem sabe” ou “Faça o que achar melhor”.
Importante mesmo é que, a qualquer tempo, analisemos nossas passagens e façamos delas, sem medos, o caminho da nossa evolução.
Fotos: Ivone Santos © I stop for photographs