Bagagem de enfrentamento e ganchos de conhecimento superam situações difíceis
Uma amiga presenteou-me com o livro de uma colega jornalista, Lina de Albuquerque, que tem o sugestivo nome de “Recomeços” e que enfoca um tema sempre importante de se tratar: a superação.
São mais de vinte de histórias de personalidades assim como de pessoas comuns que conseguiram dar a volta por cima depois de um baque brutal e recomeçar ou começar de novo, o que é diferente em minha concepção comportamental. Recomeçar é partir de uma interrupção, tendo um elo de continuidade, enquanto que começar de novo é partir do zero, naquelas horas em que a vida cotidiana muda e tudo parece virar de cabeça para baixo.
É quando vale muito a bagagem de enfrentamento, o que se soube aproveitar do vivido nas circunstâncias até aqui ao invés de jogar tudo para os outros resolverem. Quem tem uma razoável bagagem de enfrentamento não começa do nada, mesmo que parta do zero, porque tem baliza, material de ajuda, ganchos de conhecimento, experiência. O que vale menos para o futuro do que os concretos julgam, mas sempre colabora para apreender a cena inédita de um começar de novo.
Muito tenho falado em aula e aqui sobre a resiliência no comportamento humano, uma palavra emprestada da Física para o fenômeno de um material voltar ao estado anterior depois de um choque, de uma modificação. Como a almofada amassada porque alguém sentou e depois afofada e a marca no tapete peludo que desaparecem e ninguém percebe.
No livro, depoimentos que vão de Lily Marinho que perdeu o filho único num desastre, à Lucinha Araújo que passou pelo mesmo trauma, à atriz Bárbara Paz, desfigurada num desastre que impediu sua carreira de modelo. O legal é que não se sente vitimidade e nem orgulho pela superação, mérito da autora, no relato, provavelmente. Muito menos, o tom chato dos manuais de autoajuda.
Simplesmente, recomeços, essa postura tão difícil diante da vida, quando algo nos arrasa e escurece a alma a ponto de anular qualquer esperança futura, quando o ânimo desaparece e a luz do fim do túnel parece ter apagado. Quando não há força e nem entusiasmo e a única coisa que queremos é permanecer inerte num quarto escuro sem qualquer compromisso, nenhuma obrigação social ou participação.
Por duas vezes em minha existência tive que recomeçar e por outra, começar de novo. Este profissional e aqueles, em nome de perdas que me tiraram do prumo. Não sei se houve resiliência porque não voltei o mesmo. Há certos fatos que depois de ocorridos, nos modificam para sempre.
Mas houve a clara superação. Jamais da saudade e da falta, presença constante, mas do prazer mórbido daquele quarto escuro e das noites frias da alma. Foi quando a luz voltou ao fim do túnel e à minha alma. Faiscando de vez em quando, sim, mas o suficiente para iluminar a vida. Abençoados recomeços!
Foto: Ivone Santos © I stop for photographs