Os dois valores principais do bem estar na sociedade
Um dos meus ídolos em termos de clareza e crítica à sociedade utilitarista em que vivemos hoje, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, radicado em Londres e que, infelizmente, não pôde vir ao Brasil, como anunciado, para falar no projeto Fronteiras do Pensamento, fez questão de dar uma belíssima entrevista em consideração à obrigatória ausência em nome de seus 85 anos, que embora notáveis já pesam.
Entre os dilemas presentes no universo do sistema consumista e dessa visão líquido-moderna da sociedade – a maioria de seus livros tem no título a liquidez: Vida Líquida, Amor Líquido, Medo Líquido etc – ele afirma, com a tranquilidade dos lúcidos e a apreensão dos sábios, que existem dois valores absolutamente indispensáveis para uma vida razoável em termos de bem estar, e satisfatória na proporção de um cotidiano compensável: a segurança e a liberdade.
“Não é possível alguém ter uma vida considerada digna no verdadeiro sentido do que é dignidade e não na proposta rasa do adquirir bens e de flutuar no consumismo sem qualquer uma das duas” afirmou.
A segurança sem a liberdade é a escravidão dourada, o esconderijo disfarçado do prazer e da amplidão. Já a liberdade sem segurança conduz ao caos, à desagregação de intenções, a uma falsa rebeldia que não leva a nada, a não ser a confundir propostas e a deturpar objetivos nobres. Vide o caso dos estudantes da USP que ocuparam a reitoria sob a alegação pífia de que não queriam a proteção da PM.
O sociólogo propôs mais uma de suas observações, além da liquidez do mercado e dos enganos midiáticos, além do torpor em que vivem hoje os nossos jovens inteiramente prisioneiros das redes sociais. E mesmo os não tão jovens, obcecados pelo Twitter e pelo Facebook, incapazes de enxergar além dos “posts” e dos recados enviados, esquecidos de que há vida inteligente além disso.
Só que em países como o nosso em que não se tem a seriedade dos dirigentes governamentais e onde não se faz uma política séria de respeito ao cidadão, o equilíbrio entre segurança e liberdade é quase impossível, uma utopia. Talvez o sonho maior dos idealistas.
O preço que pagamos por um mínimo de segurança é muito alto: a entrega da nossa liberdade e a permissão de sermos invadidos em nossa privacidade. Haja visto as ofertas imobiliárias de condomínios que são verdadeiras fortalezas inexpugnáveis, das câmeras que precisamos ter por todos os pontos de uma casa ou de um edifício, denúncias de atitudes e particularidades. E quanto não se faz hoje em nome do medo da violência e da agressão?
Ao citar Freud e o “O Mal Estar na Civilização”, Bauman lembra da cruel barganha que precisamos fazer: ao ganhar algo sempre perdemos alguma coisa. Um exemplo é o celular, que se trouxe facilidade de comunicação a qualquer outra, tornou-se um tormento de incômodo e criou uma dependência absurda a ponto de não conseguirmos sair de casa sem ele. Pela teoria freudiana, os indivíduos entregam uma liberdade além daquela de que poderiam dispor em nome da segurança e do conforto.
Por outro lado, nunca encontraremos o mundo perfeito, mas é preciso ficar alerta aos enganos da Sociedade do Espetáculo que tem como meta manipular as pessoas, nunca deixando que elas estabeleçam por si o que lhes é mais gratificante e compensador.
Nisso entra o brutal erro de achar que a média segurança compensa a perda da liberdade, inclusive a de pensamento, o pior de tudo.
Foto: Dreamstime/Reprodução