Tapeçarias: no tempo, no espaço, na arte
Embora seja considerada arte decorativa, a tapeçaria, a meu ver, assim como a pintura, integra a Arte como expressão maior. A recente visita do Papa Bento XVI à Inglaterra confirma esse pensamento, compartilhado por um expert no assunto, Thomas Campbell, curador do Metropolitan Museum of Art, de Nova York.
Voltando à visita do Papa, com ele chegaram a Londres quatro tapeçarias da Capela Sistina, levadas para “reencontrar” seus cartões originais, pintados por ninguém menos que Rafael, numa exposição sem precedentes no Victoria and Albert Museum, que terminou no último dia 17 de outubro.
Os cartões (pinturas em folhas de papel coladas sobre tela), encomendados ao pintor pelo Papa Leão X em 1515, pertencem à Coroa Britânica desde o século 17 e estão, desde 1865, emprestados ao museu inglês. Já as tapeçarias que reproduzem Os Atos dos Apóstolos fazem parte do tesouro artístico do Vaticano e pela primeira vez foram reunidas às pinturas que lhes deram origem.
Importante destacar que a encomenda dessa coleção de tapeçarias foi também um marco para a arte, pois com ela teve início um inédito intercâmbio de artistas. Essa grande obra de Rafael atravessa os Alpes e atinge o norte europeu, para ser tecida em Flandres, o grande centro produtor de tapeçaria da época. A partir daí, muitos artistas flamengos vão para Roma e vice-versa. E tudo causado pela tapeçaria!
O século 16 é considerado o século de ouro da tapeçaria na Bélgica, que tinha sua economia movimentada em grande parte pela produção de coleções monumentais, solicitadas por nobres e pela burguesia abastada, além da igreja. Não havia um príncipe que não tivesse uma tapeçaria. Então ela era o elemento decorativo que dava também status à nobreza e à burguesia da época. Estamos falando do fim da Idade Média, quando os nobres iam de castelo em castelo e, na frente, seguiam as tapeçarias, como tesouros, para adornar as paredes de pedra e simbolizar status e poder. Em ganchos próprios, eram colocadas na paredes sem intervalo entre uma e outra. Existem encomendas famosas de reis, desde o século 13, século 14, com mais de 120 metros de tapeçarias.
No século 17 surgiu um novo gênero – a Verdure –, que são as paisagens e elementos da natureza. Eram tapeçarias mais simples, no sentido de não precisar encomendar a importantes artistas, para que mais pessoas pudessem ter acesso ao estoque elevado das manufaturas. Até hoje são das mais apreciadas no mercado.
O Brasil entra na história da tapeçaria por obra de Mauricio de Nassau, que encomendou a dois dos mais famosos pintores de nossas paisagens, fauna, flora e tipos étnicos – Albert Eckout e Frans Post – cartões (na verdade oito grandes quadros), com os quais presenteou Luis XIV, com a sugestão de que fossem feitas tapeçarias. Nassau não chegou a vê-las, mas confeccionadas pela famosa Manufatura de Gobelins, a série “Tenture des Indes”, foi reeditada várias vezes. Alguns exemplares dessas “Nouvelles Indes” estão no Brasil, nos acervos do Masp, Fundação Ricardo Brennand, Fundação Oscar Americano e em coleções particulares.
O que me seduz na tapeçaria é a riqueza como expressão de arte, reconhecida pela presença certa em cada evento importante desde muitos séculos. Ainda hoje, principalmente na Europa, quando um chefe de estado fala, ou um rei aparece, há sempre uma tapeçaria como pano de fundo, imponente, solene, antiga, com o peso da própria história – como agora com a Rainha Elizabeth e o Papa Bento XVI.
Como objeto artístico, uma das grandes vantagens da tapeçaria é ser, proporcionalmente, muito mais acessível que os quadros. Não é nada impossível ter um belo fragmento de Verdure do século 17 na parede da sala. A tapeçaria é como um grande mural; eu diria assim que ela é um afresco portátil…
Fotos: Reprodução
Foto (tapeçaria acervo FOA) e edição: Ivone Santos