Telmo Martino era meu amigo. Pelo menos foi, até uns anos atrás. Já não nos víamos mais, nem nos falávamos há muito tempo. Mas fomos tão amigos, em tempos idos, e antes do meu casamento com o Paulo, que a Gabí, uma noite, achou que a gente tinha um caso. Imaginem vocês… Tínhamos muita afinidade, é verdade. Trabalhamos juntos durante mais de uma década, no JT. Os melhores anos da minha vida, certamente da vida dele, e da vida de muita gente mais. Não vou ficar falando dos anos dourados do JT. Como diz Paul McCartney, quando eu falo daquele tempo, parece que estou falando do futuro. Éramos todos jovens. O Telmo tinha uns 20 anos mais do que a média, mas não parecia. E a convivência com aquela moçada o rejuvenescia. Quando elaborava suas maldades, ele mesmo ia rindo ao escrever. Éramos todos consultados na hora, para ver a reação. Tinha, ali mesmo, uma plateia. E alguns desafetos também, porque ele nunca escolheu para que lado atirar, nem jamais perdeu uma piada. Com isso, ganhou bons inimigos. Suas vítimas, no entanto, o respeitavam. Uma das mais famosas era Lina Bardi, que ele adorava amolar. A chamava de “a última fã de Veronica Lake”. Famosa por sua postura de esquerda, Lina era obrigada a ler, na coluna de Telmo, que ela cantava em casa hinos fascistas… Mario Chamie lhe deu um chute no traseiro, numa festa, porque era outra de suas vítimas. Ou ele ou sua mulher Emilie. E Jards Macalé entrou na redação de dedo em riste, insultando o Telmo, e só foi contido pelo tom decidido da voz de Vital Battaglia. Em compensação, muita gente só existiu porque saia nas colunas do Telmo. E artistas com o Rita Lee, por exemplo, contaram sempre com seus elogios estratosféricos. Quando não gostava, arrasava. Quando gostava, punha no céu. Aos que ficavam pelo meio, ele dedicava o mais profundo silêncio. Não eram bom material. Tenho muitas recordações da minha convivência com o Telmo. O que mais lhe agradeço foram as dicas que ele foi dando sem impor. Sobretudo leituras e músicas. Bobby Short eu descobri por causa dele, bem antes de vir ao Brasil. E uma vez lhe trouxe de presente um autógrafo de Short, que ele emoldurou. Conheci todas as casas do Telmo, em São Paulo e no Rio, menos a última. Todas extremamente elegantes e aconchegantes. Tudo o que ele tinha era escolhido a dedo, e tinha alguma história. Me mantinha a par de suas desavenças com os irmãos, que na verdade eram uns santos, e ele o implicante. E quando o Telmo implicava com alguém, não havia meios de demovê-lo… Mesmo morando no Rio, nos falávamos horas ao telefone, ele me contando de lá, e eu de cá. Mas os telefonemas começaram a rarear, de lado a lado. Telmo tinha virado um amigo difícil. Muito amargo, reclamão. Devo confessar que o último a ligar foi ele. Já faz tempo. Estou em paz com a minha consciência. Ajudei-o bastante, com amizade e atenção, em vários momentos em que precisou. Paulo me auxiliou nisso em algumas oportunidades. E se alguma coisa ficou para acertar, a gente acerta quando se reencontrar.
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Cesar Giobbi
Cesar Giobbi é jornalista desde 1972. Atualmente é colunista cultural do Jornal da Gazeta, da TV Gazeta, e assina seu blog. Continua colaborando, eventualmente, com revistas nacionais. Na imprensa escrita, manteve por 14 anos a coluna Persona, no Estadão. Antes disso, ficou 18 anos no Jornal da Tarde, onde foi de foca a editor, pauteiro, chefe de reportagem e reporter especial da Variedades. Trabalhou nos jornais Gazeta Mercantil, Brasil Econômico e Metro. E manteve uma coluna mensal nas revistas Transbrasil, e RG, então da Vogue. Na internet manteve por cinco anos um site de notícias com seu nome. No rádio, teve programas na Eldorado e Bandeirantes. Na TV, teve programas na TV Cultura e no Canal Rural. E participou por mais de dez anos, como cronista de cultura, no Programa Amaury Jr, em várias emissoras. Cesar Giobbi é diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), membro do conselho da Fundação Bienal de São Paulo, do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), e das organizações sociais Poiesis e Diversa. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte desde 1973. É diretor do Instituto Pró Queimados, desde sua fundação em 1997.