O enólogo do mítico Pêra-Manca vem ao Brasil lançar a safra do tinto 2007 e apresenta o vinho Scala Coeli que de tão bom faz sombra ao irmão mais famoso
Qualquer apaixonado por vinho vai armazenando em sua memória os vinhos que sonha um dia degustar, desfrutar e conhecer. Se pensarmos em Portugal, esse país pequeno em dimensões continentais, mas grande quando o assunto é vinho, tem alguns tintos que se tornaram mito e fruto do desejo de muitos enófilos, principalmente dos brasileiros fãs dos vinhos produzidos na terra de Camões. Talvez o mais mítico e desejado vinho português pelos brasileiros seja, hoje, o Pêra-Manca Tinto.
Recentemente o simpático Manoel Chicao, proprietário da Importadora Adega Alentejana, organizou um especial evento no Restaurante A Bela Sinta, em São Paulo, para recepcionar em sua 1ª visita ao Brasil, Pedro Baptista, o enólogo chefe da Fundação Eugénio de Almeida. Entre suas missões lançar em avant première o Pêra-Manca Tinto 2007.
O evento foi ainda mais importante porque o lançamento desse vinho no Brasil aconteceu antes mesmo do lançamento em Portugal. Isso é uma honra para nós e mostra o compromisso e importância do mercado brasileiro para os portugueses, com destaque para a Fundação Eugenio de Almeida, um produtor muito importante tanto para vinhos, quanto para azeites. A Fundação produz uma enorme gama de vinhos, desde os entre-level e mais competitivos Foral de Évora, passando pelo Cartuxa e chegando ao ícone da casa o Pêra-Manca. Em todas essas linhas de produto temos um branco e um tinto.
No evento Pedro Baptista ofereceu brancos e tintos de Foral de Evora e Pêra-Manca. O último vinho a chegar à mesa foi o protagonista do dia, o grande Pêra-Manca Tinto 2007. Mas Pedro fez uma surpresa e apresentou mais um tinto, chamado Scala Coeli, um vinho que ele mesmo criou, pela primeira vez, na safra de 2005. Em português, do latim Scala Coeli, significa “Escada para o Céu”, um alusão ao conhecido Convento da Cartuxa que tem como nome oficial “Mosteiro de Santa Maria de Scala Coeli”. Esse Mosteiro, que é propriedade da Fundação Eugénio de Almeida, é um local de oração e contemplação dos monges cartuxos. Atualmente residem 14 monges no Mosteiro que não tem contato com o mundo externo. Apenas um monge sai periodicamente do Mosteiro. Não é permitida a entrada de mulheres. São nas caves desse Mosteiro que estagiam as garrafas dos melhores vinhos da Fundação Eugénio de Almeida, ou seja, o Cartuxa Colheita, Cartuxa Reserva, Scala Coeli e Pêra-Manca.
O Scala Coeli, cuja pronúncia correta é “scala xeli”, apresentado foi também da excelente safra de 2007, a melhor do novo milênio na região do Alentejo. Pois bem, lado a lado estavam o moderno Scala Coeli e tradicional Pêra-Manca. Aqui vale detalhar mais um pouco o estilo de cada uma dessas preciosidades, quase abençoadas!
O primeiro é um vinho elaborado a partir de 100% da casta Touriga Nacional, uma das mais especiais castas autóctones de Portugal. Um vinho surpreendente. Uma linda cor granada púrpura com reflexos violáceos. Seus aromas são marcantes com toques tostados da boa madeira (estagia por 15 de carvalho francês), nuances de chocolate e fruta negra madura marcante. Paladar rico e estruturado. Um vinho que alia força e elegância simultaneamente. Seu final de boca é delicioso, potente e duradouro. Um vinho jovem que já está apreciável e que continuara evoluindo por mais 12/15 anos seguramente. A produção desse tinto é de apenas 8.500 garrafas numeradas, sendo que apenas 600 garrafas foram exportadas para o Brasil.
Após subir a escada para o céu chegava à mesa o Pêra-Manca 2007, mas antes de falar do melhor Pêra-Manca de todos os tempos, vamos falar um pouco da história dessa verdadeira lenda portuguesa.
O nome Pêra-Manca é a marca que a Fundação Eugénio de Almeida concede aos seus vinhos de exceção. O nome de Pêra-Manca deriva de “pedra manca” ou “pedra oscilante”, uma formação granítica de blocos arredondados, em desequilíbrio sobre rocha firme. A tradição do vinho Pêra-Manca data da Idade Média. Reza a história que por volta de 1365, Nossa Senhora teria aparecido em cima de um espinheiro a um pastor. Alguns anos depois, foi edificado um oratório em sua honra e em 1458, dada a crescente importância do local como ponto de peregrinação, uma igreja. A posterior nesse local foi fundado um Convento, que viria albergar a Ordem de São Jerônimo. Nos séculos XV e XVI, os vinhedos de Pêra-Manca eram propriedade dos frades do Convento do Espinheiro. Em 1517, os frades do Convento do Espinheiro foram obrigados a arrendar esses vinhedos, por ser muito dispendioso o seu trato, para Álvaro Azedo, escudeiro do Rei e a sua mulher, Filipa Rodrigues.
A fama do Pêra-Manca permitiu que acompanhasse muitas naus da Índia no tempo dos Descobrimentos. Foi ainda este o vinho que Pedro Álvares Cabral transportou em suas naus quando chegou ao Brasil. Mais recentemente esse grande vinho, após a crise filoxérica deixou de ser produzido, pela então Casa Soares. O herdeiro dessa extinta Casa, José António de Oliveira Soares, no ano de 1987, ofereceu o nome Pêra-Manca à Fundação Eugénio de Almeida, que passou a utilizar o nome no rótulo de seu vinho TOP. Desde então a Fundação passou a lançar esse vinho somente em safras excepcionais. O primeiro Pêra-Manca lançado foi o da safra 1990. Desde então foram apenas produzidos mais nove, em 1991, 1994, 1995, 1997, 1998, 2001, 2003, 2005 e 2007. As uvas destinadas a produção do Pêra-Manca são provenientes de vinhas selecionadas com mais de 25 anos de Idade. O tinto é produzido a partir das castas Trincadeira e Aragonez e o branco tem como base as castas Antão Vaz e Arinto.
Depois dessa viagem no tempo, voltamos ao Pêra-Manca 2007. Esse tinto foi elaborado a partir de 70% Aragonês e 30% Trincadeira. O período de estágio nos tonéis de carvalho francês, na Adega Cartuxa, variou entre 15 meses para a casta Trincadeira e 18 meses para a casta Aragonês. Cor rubi profundo. Aromas fabulosos com enorme equilíbrio entre a força da fruta madura, a madeira presente e um final especiado. Gustativamente é complexo e repleto de personalidade e estilo. Seus taninos são de excelente formação e seu final de boca é longo e marcante. Está bom hoje, mas mais dois anos de garrafa lhe farão muito bem para melhor integrar todos os seus componentes. Uma expressão máxima do Alentejo que tem muita vida pela frente.
O consumo sugerido é 2012/2020. Aqui mais uma boa noticia para o mercado brasileiro, pois somos o país com a maior quantidade de garrafas destinadas a um país estrangeiro (para exportação) com 6.200 garrafas de uma produção total de 31.000.
A modernidade e a tipicidade da incrível Touriga Nacional do Scala Coeli e a tradição e o estilo de um grande vinho Alentejano do Pêra-Manca formaram um conjunto mágico desse inesquecível encontro. Se você quiser conhecer um dos melhores varietais de Touriga Nacional de Portugal vá com o primeiro e se você quiser sentir o sabor do que há de melhor quando o assunto for um tinto do Alentejo, vá de Pêra-Manca. Eu, pessoalmente, se tivesse que comprar duas garrafas, compraria uma de cada, pois como tintos de exceção são muito equivalentes em qualidade.
Parabéns ao genial enólogo Pedro Baptista que consegue ao mesmo tempo agradar modernistas e tradicionalistas.
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