Quando o valor para um não é respeitado como verdade no outro, a relação padece
Quem nos presenteia com esse questionamento magnífico em que se inserem todos os impasses, dualismos e encontros de um relacionamento a dois e de todos os outros tipos de convívio próximo é o pensador francês, André Comte-Sponville, no ensaio do mesmo nome, “Valor e Verdade”, destacando sua importância nestes tempos de intransigência, radicalidade e de tantos arautos do correto.
Verdade é idéia, valor é crença. A verdade existe para quem com ela se envolve, o valor a quem a ele se submete. Verdade é o que surge dentro de nós como um sentido primordial que conduz nossas ânsias, desejos e unidade; valor é adquirido no mundo, resultado das classificações dadas por autoridades ou princípios mundanos. Conceitos adquiridos, por mera adesão, respeito, admiração, ou por conveniência para que não haja necessidade de agitar a mente para formar os próprios princípios com base na verdade.
No encontro entre os dois ou nos duelos criados, é preciso sempre ter claro que a verdade de uma pessoa pode não ter valor para outra, justamente por não ser a sua ou não merecer a tal concordância. Dificilmente verdades e valores estão no paralelo. Isso é quase um sonho e, com certeza, de um imenso romantismo.
Eis o ponto-chave de se estabelecer o conflito intransigente, o insuportável do domínio, o peso de uma relação, seja entre um casal, pais e filhos, irmãos e, até, na amizade: aquilo que não é valor para um não é respeitado como verdade no outro. E acaba descredenciado, menosprezado, até debochado. Começa aí o desagregar-se de um casamento, por exemplo; o afastamento dos filhos da casa paterna, o fim de uma bela amizade.
E como acontece, gente! A mulher diz ao marido que não vai viajar no horário que ele determinou para sair porque tem uma aula que não quer perder; ele, como esse interesse não é um valor seu, rebate no ato: “Que bobagem, atrasar a viagem por causa de uma aulinha!”.
Assim esses episódios se sucedem, magoando, ferindo. Sempre peço às pessoas a minha volta: por favor, não permitam que ninguém chame de “bobagem” aquilo que é importante para você; por mais que não seja para o outro, trata-se do total e absoluto desrespeito, de uma desconsideração que faz muito mal e destrói pouco a pouco os afetos.
Ninguém é obrigado a gostar do que gosto, de curtir o que curto, mas tem o compromisso sim, em nome do sentimento, de entender o que é a minha verdade, ainda que não seja um valor seu e vice-versa.
Quanto à batida e rebatida frase feita “A verdade é relativa”, vamos interpretá-la na medida certa, por favor! Chega de afirmações bobas que são apenas palavras ao vento. A verdade é relativa enquanto valor e, jamais, enquanto verdade. Cuidado, muito cuidado, senão a auto-estima vai para o espaço. Ela existe sim, sem relativismos, no interno dos nossos sentidos, na honradez dessa magnífica unicidade.