Chegamos ao 3º ato sobre os vinhos do livro de Claudio Schleder. Agora vamos ao Vêneto, Friuli, Trentino e Sicilia.
Nas duas últimas semanas saboreamos os vinhos do Piemonte e da Toscana destacados no precioso livro “Vinícolas de Charme” de Claudio Schleder. Tudo começou quando recebi o livro e depois disso só tive alegrias, não só por me deleitar com cada página, mas também pela oportunidade de degustar alguns dos mais especiais vinhos produzidos nessas vinícolas. Após uma profunda dedicação aos vinhos da Toscana e Piemonte, as duas mais importantes regiões da Itália quando o assunto são grandes vinhos, Claudio dedica dois capítulos ao restante do país. Um deles para os vinhos do Nordeste da Itália e outro para os vinhos do Sul e das Ilhas Italianas. De qualquer maneira vale ressaltar aqui que a Itália é o único país do mundo que produz vinhos em todas as suas regiões, e por isso mesmo, não poderíamos deixar de destacar alguns vinhos de outras regiões, além de Toscana e Piemonte,. Escolhemos para fechar a “viagem” do livro Vinícolas de Charme alguns vinhos do Vêneto, Friuli, Trentino e Sicilia. Vêneto
O Vêneto é a terceira região mais importante da Itália. Produz volumes muito importantes, contudo, a grande maioria das garrafas é de vinhos mais populares, com preços mais acessíveis. São dessa região os famosos, claros e ralos, Valpolicella e Bardolino. Esses dois tintos são na maioria das vezes simples, mas com o caráter da região. Temos que tomar muito cuidado com o nome do produtor, pois temos desde vinhos sofríveis dessa região até verdadeiras delícias. É do Vêneto um dos vinhos mais únicos do planeta, o Amarone. Até a colheita das uvas tudo é semelhante na produção dos Amarone, se compararmos com a produção de qualquer outro vinho, mas a partir daí entra em cena o processo e o terroir, responsáveis por fazer do Amarone um vinho impossível de ser imitado. Após a colheita quando as uvas estão maduras, elas seguem para galpões fechados onde são colocadas em uma espécie de esteira horizontal com o objetivo de iniciar o ‘apassimento’ (processo para secar as uvas naturalmente). Esse processo é exatamente o que o nome em italiano nos induz a pensar. As uvas permanecem nesses galpões cobertos nessas esteiras, porém com grandes janelas abertas (propiciando boa ventilação). As uvas permanecem “secando” desde o final de novembro até fevereiro/março do ano seguinte. Passam grande parte do inverno sendo ‘passificadas’, o que faz com que as uvas percam líquido. Ao perder grande parte do líquido (o peso se reduz a 2/3 do peso original das uvas) ocorre uma clara concentração de açúcar nessas uvas, que ao final de cerca desses 3 meses de inverno, seguem para a fermentação. Além do Amarone a região produz um outro tinto especial denominado Ripasso. A técnica para a produção do vinho Ripasso é a ‘refermentação’ do vinho no bagaço das uvas que produziram o Amarone. O vinho ganha em cor, estrutura e complexidade. As castas permitidas pela Ripasso DOC (Denominazione di Origine Controllata) e pela Amarone dela Valpolicella DOCG (Denominazione di Origine Controllata e Garantita) são Corvina, Rondinella e Molinara. Essa última não mais obrigatória desde o começo desse novo milênio. Dessas três castas a mais importante e que também produz varietais é a Corvina, uma das mais importantes castas autóctones de toda Itália. Além da região da Valpolicella, o Vêneto tem sub-regiões de grande importância, como o Colli Euganei, onde fica localizada a Vinícola La Montecchia, também presente no livro, mas que não degustamos nenhum exemplar. Provamos do Vêneto, para essa matéria, o excelente Amarone Classico della Valpolicella 2007 e o Ripasso Bosan 2008, ambos do produtor Cesari. Confira a avaliação completa desses dois vinhos ao final dessa matéria.
Friuli É nessa região onde são produzidos os melhores vinhos brancos da Itália. Com a queda de prestígio dos vinhos brancos na década de 90 do século passado, perdemos muitos vinhos dessa maravilhosa região que tinham presença importante aqui no Brasil. Com a retomada da cultura da apreciação do vinho branco, principalmente alavancada pela cultura da enogastronomia, os vinhos brancos do Friuli começaram novamente a desembarcar por aqui. Vale ressaltar que ainda são poucos os produtores disponíveis no Brasil, mas já temos uma lista respeitável. As DOC’s (Denominazione di Origine Controllata) que produzem os vinhos mais especiais de todo o Friuli são o Collio e Colli Orientali del Friuli. O Colli Orientali fica localizado na província de Udine, enquanto que o Collio, também chamado de Collio Goriziano, fica localizado na província de Gorizia. Temos inúmeros produtores de renome da região, mas um deles destacado no livro Vinícolas de Charme é a casa Livio Felluga. Esse produtor é um craque na produção de extraordinários brancos, mas não deixando de produzir também excepcionais tintos, como é o caso do Sosso, um fabuloso Merlot predominante. A propósito foi do Friuli, o Merlot Italiano, campeão de nosso tasting às cegas publicado cerca de dois meses atrás. O Merlot Focus Friulano do produtor Volpe Pasini derrotou os Merlot mitos da Toscana. Lembram? Para essa matéria tivemos a fortuna de provar pela primeira vez o branco que hoje é seguramente um dos TOP dentre todos os brancos da Itália. Trata-se do Abazzia de Rosazzo 2009. A história de Livio Felluga com a lindíssima Abazzia di Rosazzo é longa. Desde os anos 50 do século passado Livio sonhava em produzir um vinho com fruta proveniente das vinhas que circundam essa Abazzia, que fica localizada no coração do Colli Orientalli del Friuli. O sonho de Livio praticamente acabou com o terremoto de 1976. A perseverança de Livio e de sua família foi determinante para que o sonho tornasse realidade. Com a excelente safra 2009 a casa lançou o seu primeiro Abazzia di Rosazzo. Um branco fabuloso produzido por um assemblage das castas “brancas” mais importantes de todo o Friuli. Confira abaixo os detalhes dessa joia.
Trentino A região do Trentino faz parte da macro região vitivinícola denominada Trentino-Alto-Adige. O Trentino se extende dos arredores da província de Avio, ao Sul, até Mezzocorona, ao Norte. A distância entre essas duas cidades é de pouco mais de 60 quilômetros, passando nesse percurso pela importante cidade de Trento. Essa região, pouquíssimo explorada e conhecida aqui no Brasil, faz parte do complexo das Dolomitas, um dos locais mais lindos do mundo, que também já foi destaque dessa coluna, pelas suas maravilhosas paisagens e por seus encantadores vinhos. Nessa região temos muitas castas autóctones, com destaque para a Teroldego, que produz vinhos absolutamente sensacionais. Além de castas locais, a região tem importantes plantações de castas internacionais como Cabernet Sauvignon e Merlot. Nos arredores de Avio, temos uma das propriedades do livro Vinícolas de Charme. Estamos falando da Tenuta San Leonardo, cujas terras produzem vinhos há mais de 700 anos. Essa Tenuta localiza-se em Borghetto All” Adige Avio, pouco mais de 5 quilômetros em linha reta ao sul de Avio. Degustamos o primoroso Tenuta San Leonardo San Leonardo 2004. Confira a seguir.
Sicilia A Sicilia é hoje a região mais on fashion, de toda a Itália, ao lado da Toscana. Visitar a VinItaly, maior feira de vinhos do mundo, realizada todo ano na cidade de Verona em meados do ano, tem sempre um fato marcante desde 2002. Os stands da Toscana e Sicilia são sempre os mais disputados. A ilha, que tem dimensões de um país e para a felicidade dos apaixonados por vinhos, principalmente os mais abertos e que apreciam diversidade, apresenta vinhos fabulosos. Tanto os produzidos a partir de castas autóctones da Ilha, bem como com castas internacionais. Temos desde blends de castas locais como internacionais até inúmeros varietais. As castas “tintas” de maior brilho são a Nero D’Avola, a mais badalada dentre todas, e a Nerello Mascalese, que brilha na região do Etna. Das castas internacionais provém grandes tintos a partir de Cabernet Sauvignon, Merlor e Syrah, puros ou blended, além de maravilhosos Chardonnay. O livro de Schleder destaca uma das mais renomadas casas de toda a Sicilia, a Azienda Agricola Planeta, que produz uma diversidade enorme de vinhos, desde um TOP Nero D’Avola puro (Santa Cecilia), um Chardonnay também puro, o melhor branco produzido em toda a Ilha, bem como um Cabernet Sauvignon predominante. Confira abaixo nossa avaliação do branco La Segreta Bianco e do Burdese, esse último um grande Cabernet Sauvignon, com um toque de Cabernet Franc.
Os grandes tintos do Vêneto, Friuli, Trentino e Sicilia degustados de nosso delicioso livro Vinícolas de Charme são:
Cesari Amarone della Valpolicella Classico 2007 – Especial nos aromas. Boa Complexidade aromática fazendo jus ao nome de um Amarone Classico. Bom volume de frutas negras e vermelhas maduras. A madeira está bem postada no conjunto. Aquela marca da uva pacificada está marcada, ao lado de deliciosos toques defumados. Gustativamente é um tinto de excelente corpo e estrutura. Taninos de excelente formação. Retrogosto é suculento e persistente. Melhorou muito após alguns minutos na taça. Por esse motivo, recomenda-se decantá-lo uma hora antes de ser apreciado. São vinhos como esse que fazem dos bons Amarones vinhos únicos, impossíveis de serem copiados. Já está excelente, mas continuará evoluindo por uma década em garrafa – 91 pontos
Cesari Ripasso Bosan 2008 – Tivemos uma grande safra para os vinhos Amarone e Ripasso em 2008. O Ripasso Bosan é o vinho que é refermentado no bagaço do Amarone Bosan, que é o TOP dentre todos Amarone produzidos pela casa Cesari. Aromas vivos esbanjando fruta madura com destaque para os mirtilos, framboesas, cerejas, etc. Aliado a fruta destacamos a marca do defumado, das uvas passas, dos tons especiados e do chocolate. O buque é mesmo delicioso, provocante e diferenciado. Palato cheio de personalidade. A fruta, o álcool (14º GL) e a madeira, estão bem no conjunto. Taninos bem formados e um final de boca delicioso. Pode ser apreciado hoje e até o fina dessa década – 91 pontos
Livio Felluga Abbazia di Rosazzo Bianco 2009 – Uma verdadeira obra prima do Colli Orientalli del Friuli. A casa Livio Felluga finalmente conseguiu realizar um grande sonho produzindo um branco com as uvas que circundam a Abazzia de Rosazzo, localizada ao sudeste de Udine. Elaborado a partir das 5 castas mais importantes da região Friulano, Sauvignon, Pinot Bianco, Malvasia e Ribolla Gialla. Começa pela linda cor amarelo pálido com leves reflexos esverdeados. Aromaticamente é fabuloso, grandioso. Tem presença marcante de uma “salada de frutas” (destaque para nectarina, damasco e pêssego) aliada a uma marca floral cintilante, frutas secas, nuances delicadíssimas de baunilha, tons de especiarias e uma presença mineral repleta de nobreza. O conjunto aromático é de tirar o fôlego. Sobra elegância e finesse. Boca rica, firme e deliciosa. Um branco amplo e muito estruturado, sem maquiagem expressando o que o Friuli pode trazer em um grande branco. Retrogosto muito marcante e longo. Um dos melhores brancos italianos degustados nos últimos anos. Um vinhaço. 94 pontos
Tenuta San Leonardo San Leonardo 2004 – A família Guerrieri Gonzaga produz um dos mais Bordaleses tintos de toda a Itália. Esse tinto elaborado a partir de Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot, é, em minha opinião, um dos mais “franceses” tintos italianos ao lado do Antinori Solaia, do Tenuta San Guido Sassacaia e do Fattoria di Felsina Maestro Raro, todos esses toscanos. A tipicidade de um bom Bordeaux se nota logo nos aromas do San Leonardo 2004. A fruta negra madura está na medida certa. Sobra elegância no conjunto aromático desse nobre tinto. Em boca é extraordinário, carnoso e encorpado. O interessante é que sobra elegância. Fim de boca delicioso, longo e persistente. Degustado há cerca de um ano. Esse período lhe fez muito bem, pois o vinho está ainda melhor. Tem estrutura para continuar evoluindo por mais 10/15 anos. 94 pontos Planeta La Segreta Bianco 2010 – Um branco siciliano de estilo rústico, mas repleto de estilo. Impressiona o melão e o abacaxi nos aromas. Tem ainda em destaque no buque tons cítricos e florais. Boca suculenta. Um branco cheio, rico e diferenciado. O que é mais interessante é que foge do obvio. Nada de muita madeira, nada de muito álcool, e sim um bom equilíbrio. Vale quanto pesa. Deve ser bebido jovem para poder mostrar toda essa embriagante vivacidade. 88 pontos
Planeta Burdese 2006 – O Nome Burdese remete a Bordeaux em Siciliano. Esse vinho, um Cabernet Sauvignon predominante com um toque de Cabernet Franc, é um dos destaques da casa Planeta. Está mais para um tinto do novo mundo do que para um Bordeaux. Muito alegre nos aromas com frutas negras e vermelhas maduras em destaque, ao lado de uma deliciosa marca floral, tons especiados e uma madeira bem postada. Quando em boca é preciso e apetitoso. Um tinto moderno de uma boa safra na Ilha Italiana. Muito bom hoje e com mais 2/3 anos de plenitude em garrafa. 89 pontos
Os vinhos Cesari são importados para o Brasil pela Max Brands – www.marxbrands.com.br Os vinhos Tenuta San Leonardo e Livio Feluga são importados para o Brasil pela Mistral – www.mistral.com.br Os vinhos Planeta são importados para o Brasil pela Todo Vino! – www.todovino.com.br